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Cerimônia do adeus

Engolido pelo digital, velho cinema é tema dos principais concorrentes ao Oscar de hoje

PEDRO BUTCHER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Quando a cerimônia do Oscar chegar ao fim, na madrugada de amanhã, uma das principais personagens da festa não terá cruzado o tapete vermelho nem subido ao palco para receber estatuetas.

Verdadeira protagonista dos principais concorrentes da noite ("A Invenção de Hugo Cabret", com 11 indicações, e "O Artista", com dez), a estrela do Oscar 2012 é uma personagem quase invisível, ainda que fortemente presente nos dois longas-metragens: a película de cinema.

Tanto "Hugo Cabret", superprodução de US$ 170 milhões (R$ 290 milhões) da Paramount, quanto a bem mais modesta coprodução franco-belga "O Artista", que custou US$ 15 milhões (R$ 25 milhões), celebram as primeiras décadas de cinema de forma nostálgica.

Considerado o grande favorito pela quantidade de prêmios e elogios que já acumula, "O Artista" assume a forma do cinema silencioso e em preto e branco.

Já "Hugo Cabret", tão belo quanto triste, recorre à mais moderna tecnologia digital 3D para prestar homenagem a Georges Méliès, pioneiro do cinema fantástico e um dos primeiros gênios injustiçados da história do cinema.

Mas por que esses dois filmes, nesse momento? Por que eles calaram tão fundo no coração dos acadêmicos?

Não parece mera coincidência. "Hugo Cabret" e "O Artista" vieram ao mundo no ano em que a Kodak, maior produtora do material que durante um século serviu de suporte ao cinema, pediu concordata, e no mesmo ano em que John Fithian, presidente da associação dos donos de cinema dos EUA, anunciou o fim da produção de cópias em película no país -processo que se completará até 2013.

REVOLUÇÃO DIGITAL

O cinema, enfim, entra na última etapa da revolução digital, que já havia sido incorporada à pós-produção dos filmes (montagem, efeitos especiais, som), mas até pouco tempo atrás, pelo menos para Hollywood, parecia uma realidade ainda distante em suas etapas finais (a distribuição e a exibição).

Agora que a película tende a se tornar um material raro e caro como o vinil, toda a indústria migra para o digital.

Em uma das cenas de maior impacto de "O Artista", retrato do cinema no momento de sua primeira revolução tecnológica (a chegada do som), o galã em crise George Valentin (Jean Dujardin) põe fogo em seus próprios filmes.

Em "Hugo Cabret", um pesquisador projeta na casa de Méliès uma das poucas cópias de seus curtas que não eram dadas como perdidas. "Eu reconheceria o som de um projetor em qualquer lugar", diz Méliès, que dormia em seu quarto e desperta ao ouvir o barulho do projetor.

"O Artista" ainda foi filmado com a tradicional película 35 mm, mas, ironicamente, sua primeira exibição, em maio de 2011, no Festival de Cannes, ocorreu no formato digital -o que fez toda a diferença do mundo.

O que faltou ao filme para que ele de fato se parecesse com uma obra do cinema mudo foi o leve tremor da imagem, típico de uma projeção em película: a exibição digital é absolutamente estável -uma das dicas para reconhecer esse tipo de projeção é observar as margens do quadro, sempre retas e precisas.

Já "Hugo Cabret" não só foi todo rodado em digital como utilizou a mais moderna tecnologia de três dimensões para recriar a magia "primitiva" de Méliès.

Para o grande público, pouca diferença faz; para os profissionais da indústria e os aficionados, é o fim de uma era. Com o fim do processo fotoquímico, caem por terra o "negativo", a "revelação", a "verdade a 24 quadros por segundo".

"Hugo" e "O Artista" estão para o fim da película como "Cinema Paradiso" e "Splendor" estiveram para o fechamento maciço dos cinemas de rua, no fim dos anos 80.

De forma talvez sutil, os dois filmes transformam essa cerimônia do Oscar em uma cerimônia do adeus.

NA TV

Oscar 2012
Exibição da premiação
QUANDO hoje, às 22h, no TNT,
e às 23h55, na Globo
CLASSIFICAÇÃO não informada

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