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Pelas costas

Álbuns embargados por João Gilberto há 20 anos estão disponíveis para venda na internet, em novas edições, produzidas fora do país

Tuca Vieira - 14.ago.08/Folhapress
O cantor João Gilberto, no palco do Auditório Ibirapuera, em São Paulo
O cantor João Gilberto, no palco do Auditório Ibirapuera, em São Paulo

MARCUS PRETO
DE SÃO PAULO

Eles estão proibidos, mas podem ser comprados em um clique. E com nota fiscal.

Pilares da bossa nova lançados por João Gilberto pela Odeon, os álbuns "Chega de Saudade" (1959), "O Amor, o Sorriso e a Flor" (1960) e "João Gilberto" (1961) foram embargados na Justiça pelo cantor em 1992 e, ao menos oficialmente, nunca mais puderam ser reeditados.

No Brasil, jamais foram. Mas edições novíssimas desses discos vêm sendo produzidas de maneira aparentemente irregular fora do país -sobretudo na Inglaterra, onde está instalada a sede da gravadora EMI, detentora do catálogo da finada Odeon.

Estão disponíveis em todos os formatos em voga no mercado atualmente -CD, vinil e digital. Quem os vende? As duas principais lojas virtuais do mundo: a Amazon.com e a iTunes Store, da Apple.

"A EMI alega que essas versões são piratas. Mas eu própria os comprei na Amazon. Se a gravadora tem os direitos sobre esses discos, ela teria o dever de cuidar deles", diz a jornalista Cláudia Faissol, mãe da filha caçula de João, que há quatro anos tenta um acordo com a empresa.

Faissol afirma que, há poucos meses, tentou reaver para João as masters originais dos três discos. Segundo ela, a EMI mandou vir um técnico de som americano para mostrar o material ao cantor.

"Mas o que mostraram não eram os originais. Eram rolos de fitas que pareciam ser os originais, mas já estavam manipulados. João reconheceu na hora que os finais estavam cortados", diz. "Para mim, eles não têm mais os masters. Se tivessem, teriam mostrado ao João. Até por medo."

Procurada pela Folha, a EMI diz que seu departamento jurídico está em férias e não vai comentar o assunto.

Já o selo europeu Doxy Music e o inglês él (divisão da Cherry Red Record), que lançaram, respectivamente, as novas edições em vinil e CD da trilogia proibida, não responderam aos contatos até o fechamento desta edição.

O EMBARGO

O imbróglio que envolve a EMI e João Gilberto se arrasta desde 1992, quando os três álbuns -mais as três faixas gravadas pelo cantor no compacto "Orfeu da Conceição" (1962)- foram lançados em um único CD, "O Mito".

João não gostou nada do que ouviu. E entrou na Justiça para que deixassem de ser fabricados. Nunca falou publicamente sobre o assunto, mas suas considerações estão registradas em cena de um documentário ainda inacabado que a própria Faissol vem fazendo sobre o músico.

"No processo [de digitalização], tiram coisas, tiram frequências, fazem besteira. Mudam o som. É uma outra coisa. Eu não sei o que eles fazem, mas sei que fica diferente. Aí então eu me apresento, eu luto por isso", disse o cantor em uma das cenas a que a Folha teve acesso.

Depois de uma batalha que já durava 15 anos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decretou, em dezembro passado, que João Gilberto terá que receber indenização por violação ao direito moral do autor em razão a "O Mito".

Segundo o laudo do STJ, "as canções originais de três discos gravados em vinil sofreram modificação substancial de apresentação após terem sido remasterizadas".

"Mas João continua sem receber", diz Faissol. "Se o governo não está fazendo nada, é por questão de leviandade. O Juca [Ferreira, ex-ministro da Cultura] recebeu um memorial assinado por João. O governo dele passou e nada foi resolvido. Mais recentemente, falei com Ana de Hollanda. Ela me disse que a lei é lenta assim mesmo."

A atual ministra é ex-cunhada de João Gilberto -o cantor foi casado com Miúcha, irmã de Ana, com quem teve a primeira filha, a cantora Bebel Gilberto. Procurada, a ministra disse, por meio da assessoria do MinC, que não vai comentar o caso.

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