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Crítica música clássica

Maior mérito de estreia de Alsop é deixar Osesp ser o que já é

A gravação traz uma orquestra madura e regida por alguém que sabe a que veio

SIDNEY MOLINA
CRÍTICO DA FOLHA

A palavra "mir", em russo, pode significar tanto "paz" como "mundo". Escritas por Sergei Prokofiev (1891-1953) em plena Segunda Guerra, as obras do primeiro CD gravado por Marin Alsop com a Osesp impõem resistência à idealização da paz.

Tanto "O Ano de 1941" como a "Sinfonia nº 5" parecem ter como pano de fundo o romance "Guerra e Paz", de Tolstói (1828-1910), que o próprio Prokofiev transformaria em ópera no interstício entre as duas composições.

De certo modo, as peças pontuam os extremos cronológicos da experiência russa na guerra -do ataque inicial alemão à União Soviética, em 1941, ao avanço para a vitória sobre os nazistas, em 1944, ocorrido, aliás, na véspera da estreia da "Sinfonia nº 5".

"O Ano de 1941" é uma suíte sinfônica desajeitada, que não incita o patriotismo exigido pelas circunstâncias. O primeiro movimento ("Na Luta") é indeciso, e o hino final ("Pela Irmandade do Homem"), ambíguo: tudo é curto, repleto de uma beleza assustada, incerta.

Embora esbanje domínio artesanal e conduza os materiais a seu pleno desenvolvimento, "Sinfonia nº 5" cultiva ironias de mesmo teor, e o "allegro giocoso" do final resgata o pathos de "O Ano de 1941", como se, de algum modo, a guerra não pudesse acabar.

A gravação traz uma orquestra madura, totalmente à vontade na acústica da sala São Paulo, e regida por alguém que sabe a que veio.

Não é ainda "a Osesp de Marin Alsop": antes, é a própria Osesp -ela mesma-, tal como nos acostumamos a escutar tantas vezes na temporada passada, esbanjando musicalidade e capaz de mudar do burlesco ao trágico em dois compassos.

Deixar a Osesp ser o que já é talvez seja o principal mérito de Alsop nessa primeira gravação. Fruto do terceiro contato da orquestra com ela -depois da experiência com duas sinfonias de Mahler-, a gravação foi realizada em agosto do ano passado.

É cedo, portanto, para apontar qualquer tendência sonora: afinal, o trabalho regular mal começou, e o CD é apenas o primeiro de um total de seis destinados à obra sinfônica do compositor ucraniano.

Prokofiev aponta para uma guerra incessante, a resistência do mundo contra o trivial. Essa é a guerra que vale lutar, com uma regente de Nova York fazendo música russa em São Paulo, Brasil.

PROKOFIEV: "SINFONIA Nº 5" E "O ANO 1941"
ARTISTA Osesp, dirigida por Marin Alsop
GRAVADORA Naxos
QUANTO R$ 39,90, em média
AVALIAÇÃO bom

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