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Crítica poesia

Sem hermetismos gratuitos, poemas recuperam a importância do difícil

O registro elevado se mistura ao popular, e a necessidade de pensar se revela como um presente que permite a fruição do instante

NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"Formas do Nada", livro mais recente de Paulo Henriques Britto, pode ser compreendido como uma tentativa de dar forma àquilo que, na verdade, é sempre o nada. O tempo, o sentido da vida, alguma essência: nada.

Por outro lado, também se pode interpretar este título, e o livro como um todo, de outra maneira: nada mesmo faz sentido e é justamente por isso que as formas podem ser livres e belas. Na realidade, somente com elas -e por elas- é que a vida vale.

É o que se extrai da aparente corrosão e quase total pessimismo deste livro. "Chegou ao final/ um processo previsível, perverso,/ trivial, que reduziu o universo/ a uma bolinha de papel, da qual/ você se livra com um peteleco". A vida, menos que nada, acaba, vira nada e quase ninguém se dá conta disso.

"Tudo se perde, nada se aproveita." Mas "alguma (pouca) coisa que foi feita/ pode talvez merecer uma espécie/ de não exatamente eternidade/ mas mais do que o imediato esquecimento". Essa -pouca- coisa que fica é justamente a forma: um poema, um gesto, um traço.

É por essa razão que, depois de "Tarde", "Macau", "Trovar Claro", "Mínima Lírica" e "Liturgia da Matéria", e seguindo coerentemente com eles, praticamente todos os poemas deste livro de Britto são metalinguísticos.

Ou porque falam da dificuldade de que as palavras possam realmente dizer alguma coisa, ou porque o eu se confessa aquém desse mesmo nome, totalmente desacreditado de si mesmo, ou porque a poesia remete circular e vertiginosamente a outros poemas e poetas: Mallarmé, Rilke, Machado de Assis.

Fala-se do esforço inútil em dizer o que quer que seja, desconfia-se da possibilidade de que algo faça qualquer sentido ou perdure no tempo e no espaço, mas é o fato mesmo de que não haja esperança possível que nos liberta para aproveitar a única coisa verdadeiramente aproveitável: o instante em que o poema está sendo lido.

O que vale não é tanto o poema, "mas algo que na carne viva/ se esboça, se traça, se inscreve/ bem mais a fundo, ainda que breve -/ pois todo poema é murmúrio/ frente ao amor e sua fúria".

É no murmúrio desses poemas precisos, difíceis, cristalinos que se reconhece o amor e a fúria de ler poesia.

Com certa nostalgia de um passado em que ainda havia "coisas palpáveis" e em que "havia lados" e, consequentemente, certa apatia por um presente em que "tudo é fácil" e "a coisa não tem jeito. / nem nunca teve, aliás", esses poemas recuperam, para uma poesia tão habituada ao fácil, a importância do difícil.

Mas não se trata de uma dificuldade gratuita nem hermética. O registro elevado se mistura ao popular, e a necessidade de pensar se revela como um presente que permite a fruição do instante.

"Formas do Nada" é um acontecimento.

FORMAS DO NADA
AUTOR Paulo Henriques Britto
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 32 (80 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo

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