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Crítica romance Leonard Cohen mostra ter sido desde cedo dono da palavra Romance escrito na juventude do músico canadense sai agora no Brasil O canadense Leonard Cohen demonstra já em seu romance de estreia um domínio irreparável da palavra escrita RODRIGO LEVINOEDITOR-ASSISTENTE DA “ILUSTRADA” Em uma entrevista recente ao jornal britânico "The Guardian", o cantor, compositor e escritor canadense Leonard Cohen, 77, contou ter concluído a feitura do livro "A Brincadeira Favorita" sob ameaças da proprietária do apartamento em que morava. Era o fim dos anos 1950, e a senhora o obrigava a escrever três páginas por dia. Que se agradeça o estímulo. O livro, lançado sem muito alarde em 1963 e que chega agora ao Brasil, revela uma face menos conhecida da lavra de Cohen, consagrado pela voz de timbre grave e o valor literário de suas letras. Reescrito diversas vezes em uma pequena máquina datilográfica, o romance de formação tem traços autobiográficos. Não é difícil enxergar Cohen no protagonista Lawrence Breavman. Filho de pais judeus -como o autor-, Breavman inicia uma saga de libertação familiar e aprofundamento intelectual quando se vê comprimido pela morte recente do pai, uma figura exaustiva. É quando ele se aproxima de Krantz, seu vizinho. Cúmplices, os dois gastam as horas trocando impressões sobre as descobertas que vão se acumulando do começo ao fim da adolescência. A saber, as relações afetivas, as primeiras conquistas amorosas, o sexo, os questionamentos acerca de preceitos religiosos e as adequações sociais a que devem se submeter e que, pela fase da vida em que se encontram, são um sacrifício. Enquanto dirigem em alta velocidade por estradas vazias -cenas graciosas entremeadas por diálogos afiados e poéticos-, os dois especulam sobre o futuro. "Haverá céus imensos sob os quais se deitar e se congratular pela humildade, tantas viagens nas galés da mais sufocante escravidão. Eis o que espera por você", escreve Cohen a certa altura, num misto de desesperança e tomada de fôlego para viver tudo que está à sua frente, enquanto ainda é possível bancar a própria rebeldia. Lisa, com quem Breavman pratica uma intensa relação de jogos sexuais e sedução, é parte importante desse "animus vivendi". COM SEXO E COM AFETO A medida que a vida adulta vai chegando, esses recortes que ainda têm um pé na primeira juventude dão lugar a outras experiências, todas elas de alguma forma ligadas à adoração do "alter ego" pelo corpo feminino, tema dos seus poemas e contos. Quando decide se exilar em Nova York, Breavman já goza de certo prestígio literário entre seus pares. E tudo que viveu até ali parece ter sido um ensaio para conhecer Shell, de beleza irradiante e índole passiva. O "affair", em que sexo se confunde com afeto, de tão entrelaçados, alimenta a sua verve poética e serve para passar em revista os momentos marcantes da vida dos dois. Breavman, como sempre, imbuído por um aguçado senso libertário. Com uma trama bem engendrada e imagens de rara beleza, Cohen demonstra em "A Brincadeira Favorita" um domínio irreparável -que a música confirmou anos depois- da palavra. Surpreende que desde tão cedo.
A BRINCADEIRA FAVORITA |
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