Índice geral Ilustrada
Ilustrada
Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Sexólatras anônimos

Em "Shame", diretor Steve McQueen foge do moralismo ao abordar a compulsão por sexo

Divulgação
Michael Fassbender em cena de "Shame", longa de Steve McQueen
Michael Fassbender em cena de "Shame", longa de Steve McQueen

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

"Hunger". "Shame".

Dois títulos assim ("fome" e "vergonha"), enxutos, foram suficientes para expandir o renome do artista visual britânico Steve McQueen para além do universo das galerias e das bienais.

Desde 1992, seus filmes experimentais já repercutiam. Mas foi em 2008, quando dirigiu "Hunger", premiado em Cannes e só exibido no Brasil em mostras, que os festivais e o público cinéfilo o identificaram como criador que não se deve perder de vista.

"Shame" estreou no Festival de Veneza de 2011 e abocanhou os prêmios de melhor ator para Michael Fassbender ("Um Método Perigoso", de 2011) e de melhor filme da

Fipresci, entidade que reúne a crítica internacional.

O filme aborda o cotidiano de Brandon, um executivo nova-iorquino viciado em sexo. A entrada em cena de Sissy, sua irmã, introduz uma quebra na rotina feita de repetições e expõe um abismo.

Como em "Hunger", McQueen se serve do assombroso talento de Fassbender em parábolas sobre a fobia que nossa cultura tem da solidão.

Os dois longas oferecem, ao espectador disposto, o drama da dor vista como a sensação do indivíduo entregue a si mesmo e não disperso nas mil formas contemporâneas de se esquecer.

POLÍTICA E SEXO

Enquanto em "Hunger" o viés era a política, em "Shame", o foco é o sexo.

Naquele, a greve de fome de Bobby Sands, integrante do IRA (grupo nacionalista irlandês) que morreu na prisão em decorrência da determinação, funcionava como tema de uma encenação cuja intensidade encontra-se na redução ao elementar. A tragédia política se reconfigurava dentro dos limites impostos entre o corpo e a cela.

Em "Shame", a masturbação pela manhã, a caça no metrô, o consumo de pornografia no trabalho, a ficada após a happy hour, a pegação anônima num clube gay e as transas com prostitutas se sucedem numa repetição.

O tema da compulsão poderia gerar um enésimo tratado moralista sobre o consumismo, a perda do sentimento amoroso, a superficialidade dos vínculos ou a liberdade forçada como último efeito de uma revolução sexual que deu numa plenitude de experiências não raro associadas à sensação de vazio.

São questões sugeridas desde o título (vergonha, em português) até o desenho da culpa e do sofrimento seguido pelo roteiro de McQueen e da dramaturga Abi Morgan.

Porém, tal como em "Hunger", o aprisionamento emerge como uma camada mais profunda do que a ideologia puritana, refletida nas interpretações psicológicas que "Shame" pode gerar.

LINHAGEM

Em vez de justificar ou condenar moralmente seu personagem, as escolhas plásticas de McQueen trazem à tona o sentimento de estar preso.

O modo como o filme explora espaços e cenários evidencia um artista da linhagem de grandes, como Hitchcock, que se serve da geometria para mostrar o que falas e situações guardam como não dito ou interdito.

A valorização das linhas verticais dos prédios encerra os movimentos e olhares de Brandon da mesma forma que as grades e a exiguidade de uma cela. O corpo atlético do ator vestido como executivo no topo da civilização move-se pela cidade como fera que precisa se libertar.

Ao seu lado, a fragilidade de Sissy, personagem que Carey Mulligan entrega com passividade e agressividade, equilibra o jogo em que a solidão é tão mais forte quanto mais se está acompanhado.

SHAME

DIREÇÃO Steve McQueen
PRODUÇÃO Reino Unido, 2011
COM Michael Fassbender, Carey Mulligan e Nicole Beharie
ONDE Cine Livraria Cultura, Espaço Unibanco Augusta e circuito
CLASSIFICAÇÃO 18 anos
AVALIAÇÃO ótimo

Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.