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"Sempre quis ser maior, não 'o' maior"

Damien Hirst, o mais rico e ruidoso egresso do movimento de jovens artistas britânicos, prepara mostra na Tate

Exposição que começa em abril em Londres será a primeira grande retrospectiva do artista que já lucrou R$ 608 mi

SEAN O’HAGAN
DO “GUARDIAN”

Ao remexer em seu arquivo, preparando-se para a retrospectiva que terá, de 4/4 a 9/7, na Tate Modern, em Londres, Damien Hirst topou com o vídeo de uma entrevista que deu ao músico David Bowie na galeria Gagosian, em Nova York, em 1996.

"Estou sentado em cima de um grande cinzeiro, falando bobagem", diz Hirst, gargalhando. "Em dado momento Bowie fala: 'Então, o que você me diz de uma grande exposição na Tate?'. E eu respondo: 'Nem pensar, museus são para artistas mortos. Eu jamais exporia na Tate'."

"E aí estou com 46 anos e tenho uma retrospectiva de meio de carreira. De certo modo, não parece certo."

Intitulada simplesmente "Damien Hirst", a exposição será "um mapa" de sua carreira, "não uma compilação de maiores sucessos". Mas vai incluir a maioria de seus maiores sucessos, além de alguns trabalhos iniciais.

"Há as caixas e tábuas pintadas que expus na Freeze [a mostra inovadora da qual foi curador em 1988], de quando eu queria ser o novo Kurt Schwitters. E outras de meus tempos de estudante na Goldsmiths, frigideiras pintadas que eu pendurava na parede. Coisas embaraçosas assim."

Nick Serota, diretor da Tate, insistiu que Hirst expusesse os trabalhos iniciais, além da primeira peça de cada série que ele criou desde então.

Ele então relata uma anedota que ilustra tanto sua atitude de descaso em relação a sua obra quanto o peso que ela possui. A história diz respeito a uma das primeiras "spot paintings", executada pelo próprio Damien Hirst - as 1.500 seguintes da mesma série foram executadas por sua equipe de produção.

"Mostrei a Nick uma foto da pintura, e ele a queria na exposição. São só respingos e manchas. Terrível, na realidade. Quando me mudei para Devon, eu a guardei atrás de um paiol nos fundos da casa. Millicent [Wilner], da Gagosian, veio fazer uma visita e ficou maluca: 'Por que você colocou ali? Na chuva! Jesus, Damien!'. Era como ouro porque era meu, mas, na realidade, é uma merda."

Ele está satisfeito pelo fato de a tela estar na mostra, por que "conta parte da história de meus últimos 25 anos como artista". "Ela revela que eu não cheguei simplesmente ao planeta dizendo 'danem-se todos', que é o que muitas pessoas parecem pensar." Mas as peças do tipo "danem-se" estão presentes em peso, também.

Há o famoso tubarão em formol, descrito no catálogo como "uma das imagens mais icônicas da arte do final do século 20". Há armários de aço e vidro repletos de comprimidos perfeitamente organizados; há pinturas negras, com aparência tétrica, feitas de milhares de moscas congeladas em tinta. Há borboletas, pintadas, pressionadas e presas a uma tela. A vida e a morte, a beleza e a feiura, o sagrado e o profano: todas suas grandes declarações, que chocam alguns críticos pela suposta obviedade, mas que também arrastaram a arte conceitual das margens do circuito para o "mainstream".

Na Turbine Hall, ladeada por seguranças, ficará uma obra pequena, intitulada "For the Love of God" (pelo amor de Deus, 2007), a obra de arte mais cara jamais criada: uma caveira humana moldada em platina e envolta em diamantes. Uma "vanitas" moderna, que alude à morte e, sobretudo, ao dinheiro.

Hirst comenta: "Montar esta exposição foi uma grande virada para mim. Estou tentando extrair sentido desses trabalhos. Parte desse todo é muito boa, parte não chegou a se realizar e uma parte é merda. São 25 anos de trabalho duro, e me orgulho disso. Mas também me pergunto como isso pôde acontecer"

COMO?

Essa é a pergunta que atormenta muitos dos detratores de Hirst no mundo das artes: como um rapaz desbocado, da classe trabalhadora, vindo de Leeds, no norte da Inglaterra, e meio "hooligan", se tornou o maior e mais rico artista plástico do planeta? (Em 2010, o "Sunday Times" estimou sua fortuna em 215 milhões de libras [cerca de R$ 608 milhões]). A resposta é longa, complexa e guarda relação com mudanças radicais que vêm ocorrendo na cultura nos últimos 25 anos.

Tem a ver com a ascensão irrefreável da arte como commodity e do artista bem-sucedido como marca; a ascensão de uma geração de Young British Artists (YBAs, jovens artistas britânicos) pós-Thatcher, que se propuseram abertamente a criar arte chocante, mas rentável; a ascensão concomitante de marchands como Jay Jopling, em Londres, e Larry Gagosian, em Nova York; e o surgimento de um novo tipo de cultura de galerias, dominada por exposições "blockbuster".

No centro desse mundo está Hirst, o superastro das artes: o YBA mais rico, ruidoso e famoso de todos. Só que hoje, no exato momento em que sua canonização pelo establishment artístico se completa, ele parece estar em um longo período de transição.

Hirst tem estado relativamente calmo no front criativo (se não no comercial), trabalhando principalmente sobre suas próprias pinturas: ou seja, sobre telas em que ele próprio aplica a tinta, e mais ninguém. Ele exibiu esses trabalhos na mostra "No Love Lost", na Wallace Collection, em Londres, em 2009, unanimemente mal recebida. Hirst não desanimou e continua a pintar.

A casa em Devon, onde Hirst vive com sua mulher, Maia Norman, e os três filhos deles, é um dos vários imóveis que ele possui em diferentes locais do mundo. Em Londres, além da Science, Hirst possui um trecho grande da rua Newport, em Lambeth, que está sendo convertido em uma galeria nova a ser inaugurada em 2013 e que abrigará sua extensa coleção de arte contemporânea.

Pergunto a ele se ser o maior e o mais bem-sucedido sempre foi uma motivação.

"Sempre quis ser maior, mas não 'o' maior. Mesmo quando garoto, queria ser o melhor da classe, mas sempre havia outro. Ser o melhor é uma meta falsa. O sucesso deve ser medido segundo seus próprios critérios."

MASCOTE IMORTAL

Escrevendo recentemente na "New Yorker" sobre a exposição de todas as 1.500 "spot paintings" de Hirst, nas 11 galerias Gagosian espalhadas pelo mundo, o crítico de arte Peter Schjeldahl refletiu: "Damien Hirst vai ficar para a história como um mascote da riqueza excedente do milênio. Não é como ser um grande mestre, mas é um tipo de imortalidade."

Hirst pode estar mais manso hoje em dia, mas ainda é um proletário do norte do país, cheio de atitude. Será que ele ainda se compraz na ideia de ser, em parte, um rapaz da classe trabalhadora agredindo os bambambãs do mundo das artes? "Eu diria que eu sou assim por inteiro", ele responde, gargalhando.

E é feliz? "Fazer arte boa é uma luta. Quando você consegue, não há sensação melhor. Mas é questão de muito trabalho, inspiração, transpiração e boas ideias. Não de dom." Ele faz uma pausa. "Quero criar objetos que tenham sentido perene. É uma ambição grande; mas alguém precisa fazer isso."

Tradução de CLARA ALLAIN

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