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Tatiana Blass examina efeitos da passagem do tempo sobre objetos

Artista que pinta acidentes mandou enterrar um carro em uma cratera de concreto fresco na Vila Madalena

Paulistana que esteve na última Bienal e venceu o prêmio Pipa agora se prepara para criar obra em Londres

SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO

Na porta da galeria, funcionários comentavam a falta de gasolina nos postos na semana em que caminhoneiros cruzaram os braços em São Paulo. Já Tatiana Blass, 32, dava orientações sobre como enterrar um carro na cratera que fez abrir em frente à Millan, na Vila Madalena.

Aquele carro agora está lá atolado no concreto que secou. É a imagem estranha de um veículo aferrado ao solo -um símbolo, diz a artista, da "mobilidade paralisada".

Blass já mandou derramar cera quente nas cordas de um piano enquanto um músico tentava arrancar do instrumento algum resquício de som, numa performance na última Bienal de São Paulo.

Também moldou cachorros e personagens de uma peça de teatro em cera, expondo as esculturas ao calor de holofotes que aos poucos ia decompondo as formas.

TEATRO DO REAL

No fundo, Blass derrete para congelar -o tempo. Suas esculturas que se desmancham, carros atolados e salas partidas ao meio são pequenos atos de um teatro do real, tentam apanhar os corpos no exato momento de sua transformação (o que muitas vezes equivale a seu desaparecimento, fim).

"Meus trabalhos têm uma violência domesticada, contida", diz a artista. "É algo que perturba, mas não tenta ser grotesco ou asqueroso."

Na mostra aberta na semana passada na galeria Millan, além do carro afundado no estacionamento, Blass mostra um corpo de alumínio sob um lençol, como numa cena de crime, e uma série de pinturas que parecem abstrações brancas, pretas e azuis.

Sem serem grotescas, camadas de tinta escorrida escondem cenas trágicas. Há uma catástrofe velada em cada tela -aviões e carros destruídos, corpos estendidos.

Nada salta aos olhos. Tudo fica diluído nas tramas e camadas dos quadros.

DESACELERAÇÃO

"Essas pinturas são trabalhosas de enxergar, têm várias camadas de frustração", afirma a artista. "Nosso mundo está acostumado a ver uma imagem como mensagem, mas o que busco é uma desaceleração, uma demora do olhar."

De olho no que seria uma dimensão física, tátil do tempo, Blass desfiou um tapete vermelho na capela do Morumbi, fazendo o tecido atravessar um tear e invadir o jardim lá fora, como ervas daninhas carregadas de morte.

Em Londres, para onde vai neste ano depois de vencer o prêmio Pipa, Blass pensa em filmar um casal que se separa. Enquanto eles conversam, fios de suas roupas irão se emaranhar, a trama física e concreta de um amor intangível. "É algo que não está lá. Busco a presença do invisível, do ausente", diz ela.

TATIANA BLASS

QUANDO de seg. a sex., das 10h às 19h; sáb., das 11h às 17h; até 14/4
ONDE Millan (r. Fradique Coutinho, 1.360, tel. 0/xx/11/3031-6007)
QUANTO grátis

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