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Quem tem medo de orquestra?

Em cartaz em SP, 'Pedro e o Lobo', peça didática do russo Prokofiev, usa trama sobre coragem para apresentar instrumentos a crianças

Danilo Verpa/Folhapress
Giulia Gam (à esq.) narra montagem da peça infantil "Pedro e o Lobo", em cartaz no Tuca, em São Paulo
Giulia Gam (à esq.) narra montagem da peça infantil "Pedro e o Lobo", em cartaz no Tuca, em São Paulo

DE SÃO PAULO

Moscou, 1936. Natalia Saz, diretora artística do Teatro Central para Crianças, pensa em uma forma de introduzir seus pequenos espectadores aos instrumentos de uma orquestra. Para enfrentar o desafio, convoca o compositor Sergei Prokofiev (1891-1953).

"Pedro e o Lobo" -que acaba de voltar ao cartaz em São Paulo, em elogiada montagem de Muriel Matalon, com narração de Giulia Gam- foi a resposta do compositor.

A obra conta a história de como o travesso Pedro, desobedecendo às ordens de seu avô, com quem vive, entra na floresta e se depara com o ameaçador lobo, que engole um pobre pato. Pedro, então, é obrigado a enfrentar a fera.

A cada personagem, corresponde um instrumento ou naipe (metais, sopros, cordas etc.) de uma orquestra, cumprindo assim a encomenda de Saz: a entrada em cena dos personagens apresenta, passo a passo, os sons da orquestra à jovem audiência.

Violinos dão voz a Pedro, o lobo é representado por trompas, e flautas lembram os passarinhos. O avô é o fagote; os caçadores, percussão.

Na montagem em cartaz no Tuca, regida pelo maestro Carlos Moreno, 11 bonecos criados por Marco Lima são manipulados por 12 atores.

Giulia Gam -que diz sempre se impressionar com a entrada do lobo no espetáculo e com o assombro das crianças- descreve seu trabalho como uma narração que foge de "imbecilizar a criança". "Também não é algo tatibitate", conta Gam, que, adolescente, antes de ser atriz, tocava flauta transversal.

CONTEXTO POLÍTICO

O contexto político em que nasceu "Pedro e o Lobo" é pouco lembrado, mas ajuda a compreender as finalidades dessa obra didática.

Em 1936, Prokofiev acabava de retornar à União Soviética, após um período, iniciado em 1918, de exílio involuntário entre EUA e França. As conturbações pós-Revolução Russa (1917) e pós-Primeira Guerra (1914-1918) impediram que o músico, que saíra para uma turnê, voltasse ao país -com o qual, entretanto, não perdeu contato.

Desejoso por regressar, ele vinha ensaiando uma reaproximação, que incluíra a composição, no ano anterior, do famoso balé "Romeu e Julieta", escrito na França para o Kirov, em Leningrado (hoje São Petersburgo).

Quando se deu a volta, o governo vigiava o músico, considerado formalista -para o regime soviético, praticamente um sinônimo de não engajado. "Pedro e o Lobo" -criada em quatro dias, a partir de um esboço composto para seu filho- foi parte do esforço do compositor por ser assimilado pela URSS.

A recepção inicial parca não anunciava a enorme popularização da peça, em incontáveis gravações e montagens, além de releituras em livros, animações e filmes.

Talvez o objetivo de ensinar música aos pequenos não se cumpra hoje tão claramente. Mas a peça segue fascinando pais e filhos ao falar de como certa dose de desobediência gera amadurecimento.

Para Muriel Matalon, a trama representa o embate entre velhas e novas ideias. "Mas é principalmente uma história sobre o medo." Ou melhor, "sobre o menino que enfrenta (e vence) o medo".

colaborou GABRIELA ROMEU

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