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Quem tem medo de orquestra? Em cartaz em SP, 'Pedro e o Lobo', peça didática do russo Prokofiev, usa trama sobre coragem para apresentar instrumentos a crianças
Moscou, 1936. Natalia Saz, diretora artística do Teatro Central para Crianças, pensa em uma forma de introduzir seus pequenos espectadores aos instrumentos de uma orquestra. Para enfrentar o desafio, convoca o compositor Sergei Prokofiev (1891-1953). "Pedro e o Lobo" -que acaba de voltar ao cartaz em São Paulo, em elogiada montagem de Muriel Matalon, com narração de Giulia Gam- foi a resposta do compositor. A obra conta a história de como o travesso Pedro, desobedecendo às ordens de seu avô, com quem vive, entra na floresta e se depara com o ameaçador lobo, que engole um pobre pato. Pedro, então, é obrigado a enfrentar a fera. A cada personagem, corresponde um instrumento ou naipe (metais, sopros, cordas etc.) de uma orquestra, cumprindo assim a encomenda de Saz: a entrada em cena dos personagens apresenta, passo a passo, os sons da orquestra à jovem audiência. Violinos dão voz a Pedro, o lobo é representado por trompas, e flautas lembram os passarinhos. O avô é o fagote; os caçadores, percussão. Na montagem em cartaz no Tuca, regida pelo maestro Carlos Moreno, 11 bonecos criados por Marco Lima são manipulados por 12 atores. Giulia Gam -que diz sempre se impressionar com a entrada do lobo no espetáculo e com o assombro das crianças- descreve seu trabalho como uma narração que foge de "imbecilizar a criança". "Também não é algo tatibitate", conta Gam, que, adolescente, antes de ser atriz, tocava flauta transversal. CONTEXTO POLÍTICO O contexto político em que nasceu "Pedro e o Lobo" é pouco lembrado, mas ajuda a compreender as finalidades dessa obra didática. Em 1936, Prokofiev acabava de retornar à União Soviética, após um período, iniciado em 1918, de exílio involuntário entre EUA e França. As conturbações pós-Revolução Russa (1917) e pós-Primeira Guerra (1914-1918) impediram que o músico, que saíra para uma turnê, voltasse ao país -com o qual, entretanto, não perdeu contato. Desejoso por regressar, ele vinha ensaiando uma reaproximação, que incluíra a composição, no ano anterior, do famoso balé "Romeu e Julieta", escrito na França para o Kirov, em Leningrado (hoje São Petersburgo). Quando se deu a volta, o governo vigiava o músico, considerado formalista -para o regime soviético, praticamente um sinônimo de não engajado. "Pedro e o Lobo" -criada em quatro dias, a partir de um esboço composto para seu filho- foi parte do esforço do compositor por ser assimilado pela URSS. A recepção inicial parca não anunciava a enorme popularização da peça, em incontáveis gravações e montagens, além de releituras em livros, animações e filmes. Talvez o objetivo de ensinar música aos pequenos não se cumpra hoje tão claramente. Mas a peça segue fascinando pais e filhos ao falar de como certa dose de desobediência gera amadurecimento. Para Muriel Matalon, a trama representa o embate entre velhas e novas ideias. "Mas é principalmente uma história sobre o medo." Ou melhor, "sobre o menino que enfrenta (e vence) o medo". Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros |
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