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Livros

Nobel narra cotidiano pós-apartheid

Escritora sul-africana Nadine Gordimer lança livro sobre reconstrução social no país após regime segregacionista

Aos 88, ela critica a corrupção no país e se diz preocupada com o partido do qual ela e Mandela fazem parte

ALEXANDRA MORAES
ENVIADA ESPECIAL A JOHANNESBURGO (ÁFRICA DO SUL)

Na sala de tamanho modesto de sua casa em estilo colonial, em Johannesburgo, a escritora sul-africana e Nobel de Literatura Nadine Gordimer, 88, se acomoda numa poltrona envolta por desenhos de Auguste Rodin (1840-1917), uma escultura de bronze da cabeça de Balzac -também de Rodin- e livros.

Ao receber a equipe que a filmaria para o documentário "Mulheres Africanas", da produtora Cinevideo (leia quadro ao lado), e a Folha, ela logo afirmou: "Vocês têm sorte de eu ter aceitado, porque não participo de programas sobre mulher, não gosto da separação por gênero".

Diz ainda que não acredita em discursos sobre "literatura feminina".

"A gente não escreve com os órgãos sexuais, a gente escreve com isso", e leva o dedo indicador à têmpora.

O que a preocupou, desde sempre, foi o regime de segregação racial sul-africano (conhecido como apartheid, que durou de 1948 a 1994). Agora, seu olhar se volta à reconstrução social e, acima de tudo, à corrupção que atinge seu país.

"No Time like the Present" (nenhum tempo como o presente; sem previsão no Brasil), livro que Gordimer lançou na última terça-feira, "trata dos problemas de construir uma nova vida num país após anos de opressão".

A trama se desenvolve em torno do casal Steve, um professor branco, e Rebecca Jabulile, uma advogada negra, que se conhecem durante o apartheid, quando as relações inter-raciais eram proibidas na África do Sul. "O que havia de mais terno e íntimo na vida das pessoas era crime", relatou.

Steve e Jabulile haviam sido militantes do ANC -o Congresso Nacional Africano, partido do qual Gordimer e o ex-presidente Nelson Mandela também fazem parte e que hoje detém o poder no país.

Os protagonistas criam os filhos na diferente realidade de reintegração racial, mas têm de lidar o tempo todo com fagulhas, internas e externas, do preconceito.

"A existência desse casal inter-racial apenas complica problemas que são comuns a todo mundo. Se fossem dois sul-africanos da mesma cor, ainda teriam de lidar com a corrupção e com o preconceito." A complicação, no entanto, "é uma realidade deste país", segundo a escritora.

"Você se livra do colonialismo, mas você esteve colonizado por tanto tempo que todo tipo de, digamos, tendência neurótica vai aflorar. A corrupção descontrolada, pelo menos no meu país, vem de um sentimento do tipo 'nosso povo não teve nada disso desde 1652, então agora queremos tudo'."

Antes de se retirar para jantar, na mesa simples preparada pelo funcionário moçambicano Domingos ("ele está aqui há 15 anos, mas o inglês dele é inexistente, e o meu português também"), ela pede espaço para fazer uma pergunta a si mesma.

"O que está me preocupando agora a respeito do meu país?", se questiona.

Responde logo que é a "lei do sigilo", aprovada pelo Congresso sul-africano em novembro passado.

O texto estabelece a criminalização de vazamento, posse e publicação de informações consideradas pelo governo como confidenciais e prevê até 25 anos de prisão para infratores.

"Chamam-na lei para 'proteção da informação' -um outro jeito de dizer censura. Uma espécie de tribunal para a imprensa. Afeta também gente que escreve ficção, pois se você criar personagens que sejam parte do governo pode estar sujeito a uma condenação por supostamente revelar segredos de Estado."

A lei, no entanto, foi aprovada por um congresso com maioria da ANC -o partido de Steve e Jabulile, o partido de Gordimer e Mandela, cuja sigla está inscrita no pôster que adorna a porta do escritório-biblioteca na casa da escritora em Johannesburgo.

"É uma grande decepção para mim, porque o ANC é o meu partido. O poder é algo perigoso mesmo."

A jornalista ALEXANDRA MORAES viajou a convite da produtora Cinevideo

NO TIME LIKE THE PRESENT
AUTOR Nadine Gordimer
EDITORA Farrar, Straus & Giroux
QUANTO US$ 27 (cerca de R$ 49, 432 págs.), na Amazon

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