Crítica Documentário

Colagem do YouTube tende ao drama barato, mas surpreende

Se achamos graça no fato de Charlie ter mordido o dedo do irmão, no trio caseiro e desafinado que entoa "Para Nossa Alegria", nos muitos bebês risonhos ou no singular menino que chora pela morte da formiguinha, dificilmente não nos sentiríamos à vontade diante do apanhado de um dia qualquer através de vídeos do YouTube.

É nesse conforto que "A Vida em um Dia" parece apostar. Tomadas e enviadas por cerca de 80 mil usuários do YouTube no dia 24 de julho de 2010, 4.500 horas de filmagem foram entregues ao diretor Kevin Macdonald e a Ridley Scott, produtor do projeto, para que virassem um longa de uma hora e meia.

O filme oferece alinhavo profissional àquilo que o próprio site de vídeos e as redes sociais fazem de melhor: levar as vidas ordinárias de milhões de pessoas a outros milhões de pessoas de vidas ordinárias ao redor do mundo.

É uma mistura de experimentos de décadas atrás, como o belo e cabeçudo "Koyaanisqatsi" (1982) e seu sucessor "Baraka" (1992) -que se apoiavam na justaposição de imagens arrematada por trilha sonora-, com a profusão de histórias e personagens de, digamos, "Short Cuts" (1993), de Robert Altman.

Ao contrário da obra de Altman, no entanto, "A Vida em um Dia" tende ao drama barato, mas surpreende ao conseguir escapar da pieguice excessiva.

Ainda assim, a composição abre espaço para a autocomplacência ao nos forçar a admitir que, sim, nós vimos e curtimos todos aqueles vídeos de bichos no Facebook.

E então nos convida a ver um pouco mais: o nascimento de uma girafa, de uma ave, de um ser humano -tudo o que de mais normal pode acontecer num dia, mas com olhar sobressaltado. Um pai desmaia numa sala de parto brasileira, um jovem faz questão de contar à avó que é gay, um outro pai lê Walt Whitman para os filhos recém-nascidos, enquanto a mãe os segura e acusa o marido de ser egoísta e inconveniente.

"A Vida..." é o caldo denso do que a internet é frequentemente acusada de promover -narcisismo e egotismo. Mas prova, ao mesmo tempo, que esses elementos, rearranjados, estão na essência do que a rede tem de melhor.

Se a "cultura do videoclipe", que hoje é menos "do videoclipe" que de todo dia, precisava de algum tipo de resumo, este é um bom candidato. É como se servisse para reafirmar a fragmentação como qualidade. Picotados e recombinados, nossos vídeos (e nossas vidas) serão maiores do que nós mesmos.