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Crítica Romance

Apesar do título, livro de Paulo Lins tem mais intriga que samba

SÉRGIO CABRAL
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em "Desde que o Samba É Samba", Paulo Lins idealizou um romance com a reunião dos principais segmentos do underground carioca das três primeiras décadas do século 20: o recém-nascido samba de Carnaval (com alguns dos seus principais personagens), a umbanda, a malandragem e a prostituição.

Com esses ingredientes, o cenário da história não poderia deixar de ser o bairro do Estácio de Sá, abrigo da zona do meretrício do Mangue e local de nascimento do samba carnavalesco, além de vizinho do morro de São Carlos.

O autor escolheu o compositor e grande malandro Brancura (Sílvio Fernandes) como o principal personagem das inúmeras histórias que percorrem o livro e que, somadas, se perdem na ausência de uma razoável estrutura orgânica de romance.

Na falta dessa estrutura, Paulo Lins procurou compensar o leitor com muito sexo -é uma relação sexual atrás da outra- e com afirmações polêmicas, como a de que personagens importantes da música popular e da literatura, que nunca aparecem com os seus nomes inteiros, apenas com o nome ou o sobrenome, eram homossexuais.

Ismael Silva é, de fato, autor de todos os sambas citados no livro, mas é sempre chamado apenas de Silva.

Mário, por sua vez, é um intelectual amigo de Manuel (Bandeira), Lúcio Rangel, Drummond, Aníbal Machado e outros, mas nunca é chamado de Mário de Andrade. E Paulo Lins criou um diálogo entre os dois:

"Silva, eu quero ir na Praça Mauá dar um passeio, olhar aquele mundo de perto, participar..."

"Você gosta de homem também, né, querido? [Francisco] Alves me falou que você é homossexual."

"Não, sou veado mesmo!"

A virtude principal do livro está nas páginas dedicadas à umbanda, uma versão carioca do candomblé, surgida no início do século passado.

Segundo o autor, essa religião surgiu em novembro de 1908, num centro espírita instalado na rua Floriano Peixoto, 30, Neves, São Gonçalo, espalhando-se imediatamente pelos bairros do então Distrito Federal, onde a população passou a conhecer entidades espirituais bem diferentes daquelas que povoam o candomblé.

Louve-se também o esforço do autor em tentar reproduzir o Rio de Janeiro daquela época, apesar de alguns escorregões, como o de fazer o trem parar no Maracanã, uma estação instalada apenas depois da construção do estádio, em 1950.

Apesar do título, a obra de Paulo Lins nada acrescenta à história do samba, até porque os personagens, de um modo geral, apesar de identificados pelos nomes e pelos sambas que compuseram, percorrem as páginas adotando um comportamento que nada tinha a ver com a realidade.

No livro, Ismael Silva, além de homossexual, era cachaceiro e capaz de enfrentar a polícia numa briga ("Silva deu um rabo de arraia numa das autoridades que não gostavam de samba", escreveu), um retrato facilmente recusado por quem conheceu o grande compositor.

SÉRGIO CABRAL, jornalista e escritor, é autor de "Escolas de Samba do Rio de Janeiro" (Ibep/Nacional) e "Grande Otelo - Uma Biografia" (34), entre outros

Desde que o samba é samba
AUTOR Paulo Lins
EDITORA Planeta
QUANTO R$ 39,90 (336 págs.)
AVALIAÇÃO regular

Leia trecho do livro
folha.com/no1081550

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