Índice geral Ilustrada
Ilustrada
Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Vitrines da memória

Orhan Pamuk inaugura em Istambul museu baseado em seu primeiro romance após Nobel

Tolga Bozoglu/Efe
Imagem do Museu da Inocência, inspirado no romance homônimo
Imagem do Museu da Inocência, inspirado no romance homônimo

CHICO FELITTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
DE ISTAMBUL (TURQUIA)

Se parece difícil enfrentar as quase 600 páginas de "O Museu da Inocência", um romance sobre um homem que fica obcecado por sua amante e começa a juntar traços físicos do relacionamento para com eles montar um museu, não desista ainda da obra de Orhan Pamuk, 59.

Foi inaugurada em Istambul, no sábado, uma alternativa à leitura, do tamanho de uma casa de três andares: o próprio Museu da Inocência, em concreto e tijolo.

"Não é preciso ler o livro para visitar o museu", disse o escritor turco, ganhador do prêmio Nobel, na inauguração. "Eles são duas formas de contar a mesma história."

Assim como o livro, o museu tem 83 "capítulos". Cada um deles é uma vitrine com temas ao estilo de uma "tabela anatômica da dor do amor", expondo objetos que costuram a trama literária.

Os itens em cada caixa retratam a vida turca entre as décadas de 1970 e 2000, período retratado no livro.

Alguns são referências literais, como a bolsa falsificada que faz os protagonistas se encontrarem e uma parede com 4.213 bitucas de cigarro, catalogadas uma a uma -o protagonista do livro, Kemal Basmaci, as recolhe escondido, após sua amada fumar.

Em entrevista à imprensa local, Pamuk contou que comprou o prédio enquanto ainda escrevia a obra.

"E o museu foi escrevendo o livro. Primeiro, encontrava e comprava os objetos da vida real, como os sapatos amarelos de Füsun [a amante do protagonista], para depois os descrever no livro." Um caso de arte imitando a vida.

O escritor diz que queria lançar livro e museu no mesmo dia. Não deu. "Tive dificuldade de deixar como eu queria. Eu não dou para museólogo, é muito mais difícil do que pensava."

Talvez porque seja difícil se expor: a casa é também um inventário do criador. No sótão, além da cama onde teria dormido o protagonista, estão os manuscritos do livro, escrito em folhas de papel almaço entre 2002 e 2008. No meio do caminho, em 2006, ele ganhou o Nobel, sem o qual o museu não existiria.

É que, conta ele, parte dos quase 300 mil euros (cerca de R$ 752 mil) que acompanham a láurea bancaram o museu.

"Em 2010 aceitei financiamento do governo turco, mas a coisa começou a ficar politizada demais e devolvi o dinheiro. Todo", disse à Folha.

Se o relacionamento do autor com o governo turco fosse um livro, certamente não contaria uma história de amor. "Eu tenho minhas questões com o governo", diz ele -que não está sozinho: a Federação Europeia de Jornalismo estima que 104 jornalistas e escritores estejam hoje presos na Turquia.

"Mas nem o museu nem meus livros são propositalmente políticos. Acontece que a vida é política."

O ingresso custa 25 liras turcas, pouco menos de R$ 25, mas basta apresentar um exemplar (em qualquer língua) do livro, onde está impresso um bilhete, para entrar de graça. Nos primeiros dias os atendentes picotaram a página, contrariando orientação do livro para que ela seja carimbada -alertados, dizem que usarão carimbo.

O valor da entrada é o mesmo do romance nas livrarias locais. Vai ler ou passear?

Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.