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Análise

Cada década elege um estilo musical como bode expiatório

ADRIANA FERREIRA SILVA
EDITORA-ASSISTENTE DA “ILUSTRADA”

A cada década, é eleito um estilo musical para expiar certas subversões ligadas espírito do momento.

O rock já foi acusado de perverter o comportamento das mocinhas, estimular o consumo de drogas, instigar a rebeldia e despertar a homossexualidade.

Cinquenta anos após sua ascensão, este, que era o demônio, reúne familiares de diversas gerações em espetáculos com milhares de pessoas, entoando em coro canções do século passado. Mais careta impossível.

No Brasil, a repressão aos gêneros musicais está frequentemente ligada a sua origem social ou a conteúdos políticos.

No início do século 20, o diabo era o samba, que surgiu como resistência cultural entre pobres, negros e mestiços, celebrando a herança africana em festas em terreiros e na rua. A polícia também comparecia, convocada para dispersar a algazarra.

Nos anos 1960, o capeta usava roupas coloridas, cabelos desgrenhados e cantava letras engajadas. Foi quando Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil se exilaram para fugir da ditadura.

Nos anos 1980/90, o mal podia ser a cabeleira comprida dos metaleiros ou o desafiador moicano dos punks, quando o corte não era moda entre os jogadores de futebol.

As duas turmas passaram a ser execradas após a morte de um rapaz, esfaqueado num show dos Ramones, no extinto Dama Xoc, e de outro, com um tiro, numa apresentação do Sepultura, na praça Charles Miller, em São Paulo.

A repercussão dos dois episódios foi nefasta, e casas como o antigo Palace evitaram, por anos, bandas afins.

Mas a maldade de ambos, nos anos 2000, era fichinha comparada à dos DJs e

clubbers. As festas e raves de música eletrônica foram proibidas por governos e prefeituras, sob a alegação de que eram espaços para o livre consumo de drogas.

Mais recente, está ainda o caso do funk carioca -música de negros, favelados-, cujos encontros sofreram restrições primeiramente no Rio e, agora, em São Paulo.

Sobre o hip-hop -mais negros, pobres etc.-, a atitude da prefeitura paulistana de restringir sua participação na Virada está desconectada do que hoje é relevante.

Basta um olhar ligeiro no programa de grandes festivais nacionais e internacionais ou no ranking de discos mais vendidos para constatar que há séculos de distância entre o estereótipo do rap e o que ele é atualmente, com artistas encabeçando as listas de vendas de CDs e acumulando fortunas.

Em 2012, descartar o rap em um evento é uma piada tão ridícula quanto achar que o rock é coisa do demônio.

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