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Pepetela investiga a Angola do século 17 em novo livro

Ex-guerrilheiro, escritor mistura figuras históricas com personagens inventados na obra 'A Sul. O Sombreiro'

ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO

Aos 17 anos, Artur Carlos Pestana dos Santos queria estudar sociologia. Mas, em Portugal, nos anos 1960, o curso era proibido pela ditadura de Salazar (1932-68). Por isso, ele foi estudar história e letras, abandonando os planos da família que queria vê-lo engenheiro.

Na então metrópole, o jovem chegado da Angola colonial passou a ler Karl Marx e Josué de Castro. Acabou entrando para o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola). Na guerrilha ganhou o codinome Pepetela, que significa pestana na língua africana em kimbundu.

Assim Artur Carlos virou Pepetela. Hoje com 70 anos, autor de 19 romances e duas peças, ele está no Brasil para lançar "A Sul. O Sombreiro", sua última obra. Nela, mistura ficção e história na Angola do século 17. Baseado em documentos, faz figuras históricas interagirem com personagens inventados.

A trama se desenvolve entre dois opostos: Carlos Rocha, angolano que busca sua identidade, e Manuel Pereira, conquistador de Benguela, onde nasceu o autor.

Rocha é pura invenção. Pereira existiu de fato. Pergunto a Pepetela se o colonizador não foi pintado no livro com tintas muito horrorosas. "Ele cometeu muitas barbaridades. Tentei dar uma imagem um pouco melhor daquela que vem nos documentos, quase todos de seus inimigos", explica.

Governador em Luanda, Pereira foi realmente preso, deportado, esfaqueado e jogado ao mar num pequeno barco com pouca comida e água. Acabou se safando. Sonhava encontrar cobre nas entranhas da região.

Carlos Rocha, o contraponto angolano ao colonizador, desabafa a certa altura: "Os portugueses estão interessados em três coisas: escravos, marfim e metais".

Mudou alguma coisa?, pergunto a Pepetela. Ele fala dos avanços do país. Sim, as potências (a China em especial) continuam interessadas em Angola. Lembra que 60% do PIB está ancorados em petróleo e diamantes.

"O grande problema é que uma pequena elite enriquece e a grande maioria da população ainda não superou a fase da pobreza", afirma.

Pepetela foi vice-ministro da educação de Agostinho Neto, líder da independência e primeiro presidente angolano. Ficou seis anos no governo. "Em três anos conseguimos fazer com que 95% das crianças fossem para a escola. Hoje esse percentual está em 80%", diz.

Do ministério, Pepetela saltou para a literatura. Seus livros tratam da guerrilha, da história e criticam a sociedade angolana. Enveredou pela sátira, fazendo "romances antipoliciais", com tom antiamericano.

Com cuidado, ele se levanta para posar para a foto. A dor é nas costas. Sequelas do tempo de guerrilheiro, quando caminhava pela mata carregando 30 quilos de armas e equipamentos. Nunca se feriu. "Tive sorte, passava entre os pingos da chuva, entre as balas", conta.

Ainda se emociona ao falar do momento em que ouviu pelo rádio, em 1975, Agostinho Neto proclamar a independência de Angola. Tinha casado havia 15 dias com Filomena _com que está até hoje e com quem teve uma filha. Estava com hepatite, mas iria se mudar para um casa em frente ao mar em Benguela.

O caminhão de mobília não pode ser descarregado. Apesar da independência, a guerra continuava, a África do Sul do apartheid invadia e ele precisou voltar para as trincheiras.

Pepetela fala da "história gloriosa" do MPLA, mas acha que hoje "é um partido conservador no sentido em que tenta preservar o privilégio de alguns de seus membros".

E como o escritor se define? "Sou um socialista utópico, como [Pierre-Joseph] Proudhon. A propriedade é um roubo."

A SUL. O SOMBREIRO
AUTOR Pepetela
EDITORA Leya
QUANTO R$44,90 (368 págs.)

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