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Ambivalência de Getúlio atraiu biógrafo

Para Lira Neto, cuja mãe é 'getulista de carteirinha', político ainda divide opiniões porque 'fez bem e mal ao país'

Afirmação do jornalista sobre pioneirismo de pesquisa para o livro faz professor gaúcho chamá-lo de "picareta"

DE SÃO PAULO

Coincidentemente batizada com o mesmo nome da mulher de Getúlio Vargas, Darcy, a mãe de Lira Neto, ainda é, aos 84 anos, "uma getulista muito ferrenha".

Quando o jornalista anunciou que escreveria uma biografia do político, dona Darcy lhe disse: "Não vá falar mal do meu velhinho".

O episódio é revelador do campo minado que enfrenta quem se arrisca a esquadrinhar a vida e o legado do político mais controverso da história brasileira, protagonista ao mesmo tempo de governos ditatoriais e de conquistas trabalhistas e sociais.

"Getúlio Vargas é fascinante justo pela impossibilidade de classificá-lo de forma única, por seu potencial de ambivalência. Fez muito bem e muito mal ao país, e sua herança continua a dividir opiniões", diz o biógrafo.

Antes mesmo de ser lançado, o próprio trabalho de Lira já provocou controvérsia.

Getúlio foi acusado por adversários, notadamente Carlos Lacerda, de participação em ao menos dois assassinatos, um aos 15 anos (de um estudante, numa briga em Ouro Preto), outro quando já era político (de um índio no RS).

Nos dois casos, Getúlio era inocente -no segundo o condenado era um homônimo.

CONTROVÉRSIA

Ao afirmar, no ano passado, que esclarecera as duas acusações tendo acesso a arquivos de forma pioneira, Lira Neto foi contestado.

O historiador, sociólogo e professor gaúcho Juremir Machado da Silva, autor de um romance biográfico sobre Getúlio, escreveu um artigo no jornal porto-alegrense "Correio do Povo" dizendo que ambas as histórias já estavam esclarecidas em outras obras e que Lira "tem tudo para ser picareta histórico".

À Folha, completou: "Lira anunciou ter descobertos coisas que todo historiador conhece. Não sei se ele fez um bom livro, porque não o li, mas começou mal, soa como operação de marketing".

O biógrafo admite que há menções aos dois casos em outros livros, mas sustenta ter sido o primeiro a pesquisar nos arquivos os inquéritos sobre os dois crimes.

"Não sou o primeiro a dizer isso, mas o primeiro a fazê-lo com base em provas documentais. Desafio qualquer pessoa a mostrar onde estão as citações ao inquérito original. Os documentos estavam intactos nos arquivos, fui o primeiro a manuseá-los."

"Não tenho a mínima intenção de polemizar com Juremir, não o valorizarei a esse ponto. O polemismo é a doença infantil do jornalismo", completou Lira.

Para o historiador Boris Fausto, autor de livros elogiados sobre Getúlio e a Revolução de 30 e que escreveu a contracapa da biografia de Lira, embora o lançamento não revele "nenhuma grande novidade", "traz uma quantidade imensa de informações e é escrito no bom estilo do jornalismo, numa narrativa muito detalhista".

VACINA

Lira Neto nasceu em 1963, nove anos após a morte de Getúlio. De sua infância cearense, lembra do político como alguém "endeusado, um mito, o pai dos pobres".

Questionado sobre qual a vacina para não se contaminar pelo Fla-Flu político-ideológico que cerca o personagem, o biógrafo respondeu: "Ser jornalista, buscar acima de tudo ser isento e contemplar o maior número de ângulos, não fechar os olhos para nenhuma interpretação. Sou um repórter".

Ainda que Lira não tenha atendido integralmente ao pedido da mãe -sua biografia expõe também defeitos e contradições do biografado-, sem dúvida a figura de Vargas que predomina neste primeiro volume é mais positiva que negativa.

"É que ele ainda não se tornou ditador", relativiza o biógrafo. A mãe dele não perde por esperar. (FABIO VICTOR E MARCO RODRIGO ALMEIDA)

Leia entrevista com o biógrafo Lira Neto
folha.com/no1091100

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