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Caravaggio em série

Mostra do mestre barroco que virá ao Masp exibe as várias versões de suas obras

Divulgação
Tela "São Jerônimo que Escreve" (1605-1606), também exposta em Belo Horizonte
Tela "São Jerônimo que Escreve" (1605-1606), também exposta em Belo Horizonte

SILAS MARTÍ
ENVIADO ESPECIAL A BELO HORIZONTE, RIO E SALVADOR

Uma roda se forma em volta da caixa lacrada. Técnicos desparafusam a tampa e empregados do museu congelam diante da primeira visão do são Jerônimo de Caravaggio. "É ele?", pergunta um funcionário. "Sim, essa é dele mesmo, uma verdadeira", responde a restauradora.

Já na montagem da mostra do mestre do barroco na Casa Fiat de Cultura, em Belo Horizonte, olhares destrincham as telas de Caravaggio em comparação com as obras de seus seguidores, também expostas. Mas nenhuma é tão magnética quanto as dele.

Mesmo os curadores da exposição ficam longos minutos olhando cada centímetro das telas com lupas e lanternas, algo entre uma reverência estranha e um ar embasbacado com aqueles traços.

Um dos artistas mais copiados do mundo, Caravaggio também copiou as próprias obras, mas nunca à perfeição. Deixou espaço para mudanças de cor, perspectiva, posição e alguns mínimos detalhes, o que confundiu historiadores de sua obra e embaralhou noções de réplica e original nos últimos 400 anos.

Meses depois da descoberta de outra "Medusa" feita por ele antes da célebre "Medusa" da Galleria degli Uffizi, em Florença, a mostra que chega hoje à capital mineira, e segue para o Masp em julho, trata da polêmica em torno das versões de suas obras.

"São Francisco em Meditação", tela de 1606, é um desses casos. Existem cinco versões do mesmo quadro que adornou por séculos a igreja dos capuchinhos em Roma.

Quando uma suposta cópia veio à tona nos anos 60, estudos acabaram provando que a reprodução era, na verdade, a primeira de todas, que serviu de estudo preparatório para a mais famosa.

Foram encontrados desenhos e esboços sob as sombras espessas de Caravaggio que não estavam na tela que pertencia aos capuchinhos.

Da mesma forma, a primeira "Medusa", que também está na mostra em Belo Horizonte, esconde sob a tinta várias versões dos olhos e da boca do monstro de cabelos de serpente, algo ausente da versão do museu florentino.

LENDAS E MITOS

"Isso de ele não fazer rascunhos é uma lenda, um mito", diz Giorgio Leone, curador da mostra. "Nos quadros da juventude, é possível ver seus traços a lápis antes da pintura e nos da fase madura isso aparece em menor grau, já que ele sabia transpor um desenho para a tela."

Teses se multiplicam sobre como Caravaggio teria construído nas pinturas sua visão de um mundo mergulhado em sombras e iluminado com raros e cortantes focos de luz, oscilando entre vermelhos vivos, brancos e tons terrosos.

Uma delas diz que ele usava espelhos para rebater um único foco de luz contínuo sobre a tela, para evitar mudanças na posição das sombras enquanto pintava no ateliê.

Outra diz que ele usava pigmentos fosforescentes, capazes de reproduzir de modo instantâneo na tela qualquer objeto diante da superfície.

Mas nada disso importa diante do impacto de um Caravaggio visto ao vivo. Com ou sem truques, cópia ou original, sua obra até hoje desloca qualquer ordem e provoca uma convulsão do olhar.

O jornalista SILAS MARTÍ viajou a convite da Casa Fiat de Cultura.

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