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Teatro Crítica / Drama Peça na Barra Funda reinventa as ruas como espaço artístico "Barafonda", da Cia. São Jorge, costura história do bairro ao mito de Prometeu LUIZ FERNANDO RAMOSCRÍTICO DA FOLHA Cena à deriva. "Barafonda", criação da Cia. São Jorge, propõe um passeio com Prometeu pelas ruas do bairro da Barra Funda, em busca de uma nova vida e de uma teatralidade urbana, posta além dos teatros. Os pontos de partida são o mito de Prometeu, aquele que apresentou o fogo e as artes aos seres humanos, e a história de um bairro centenário de São Paulo, a Barra Funda, tomada a partir da saga de um de seus heróis, o pintor Raphael Galvez (1907-1998). O espetáculo percorre, ao longo de quatro horas, um traçado da praça Marechal Deodoro à linha férrea que fraturou a região -e cujos trilhos cruza por uma passarela. Nesse trajeto, contamina os espaços e a paisagem com a narrativa apresentada, carregando consigo um público atento e participante. Um mesmo ator, o inspirado Rogério Tarifa, dobra como Prometeu e Galvez. O primeiro, acorrentado pelos deuses por milhares de anos até ser libertado por Hércules, reaparecerá sempre prisioneiro, incapaz de gozar sua liberdade. O segundo, como condutor da encenação, narra a mítica "Barafonda" indo de hoje ao passado. Começa já morto, com 105 anos, e chega à sua infância, numa festa de rua no extinto largo da Banana, em que se misturam negros e italianos. O percurso da fábula é cadenciado no ritmo da "rádio Cipó", dispositivo de alto-falantes instalados numa bicicleta, em que um locutor recorda em tom poético fatos e feitos e desfiam-se sambas antológicos de compositores que cantaram o bairro, como Geraldo Filme (1928-1995) e Germano Mathias. CORO SE DESTACA O mais belo na montagem são os quadros que o vibrante e homogêneo coro de 30 intérpretes compõe, a partir das realidades achadas da cidade que o grupo atravessa. Açougues, armarinhos, lojas de móveis antigos e barbearias tornam-se espaços mágicos. Mais do que teatro de rua, trata-se de atuação que encampa a rua e a recria. Cenas relampejam nas faixas de pedestres nos intervalos dos faróis. A audácia maior é realizarem no asfalto, entre carros em movimento, a parte ritual de adoração a Dionísio. Em diálogo com o Teatro Oficina, mas reinventando as formas do rito, o coro pede a São Jorge "uma novidade espiritual", ainda evocando as "revoluções fracassadas". "Barafonda" é um marco na cena paulistana e na carreira da companhia, desta vez capitaneada por Patrícia Gifford. Sintetiza esforços de muitos grupos da mesma geração para alcançar uma arte viva e transformadora, cavada no cimento, mas emanando uma graça divina, ou pelo menos humana, na parte que lhe cabe de Prometeu. Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros |
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