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Mostra apresenta faceta atormentada de Joan Miró

Galeria em Washington revela mais de cem obras fantasiosas feitas pelo pintor catalão em sete décadas

LUCIANA COELHO
DE WASHINGTON

Existe um Miró político por trás daquele das formas fluidas, quase pueris, e cores fortes que suspendem o espectador algo além da realidade.

Menos conhecido, muito mais atormentado e tão ou mais fascinante do que seu alter ego lúdico, ele acaba de dar as caras em Washington.

"Escada de Fuga", a exposição que mostra o lado angustiado do prolífico pintor catalão (1893-1983), estreou neste mês e ficará em cartaz até 12 de agosto na National Gallery of Art após passar pela Tate Gallery, em Londres.

Os cerca de 120 trabalhos que cobrem do fim dos anos 1910 ao início dos 1970 são predominantemente pinturas, e guardam o caráter fantasioso que deu fama a Joan Miró. Mas o elevam a uma dimensão capaz de converter os olhos mais empedernidos.

"Esta exposição tem peças políticas, a relação dele com todas as guerras que viveu", disse à Folha Harry Cooper, curador e chefe do departamento de arte moderna e contemporânea do museu. "Mesmo os trabalhos mais pueris e conhecidos do Miró têm conexão com o que estava acontecendo à época."

É assim com a série "Constelações", o conjunto de pequenas pinturas surgidas de uma brincadeira com solventes e pincéis que talvez seja sua obra mais conhecida.

Reunidos e contextualizados, os quadros repletos de figurinhas abstratas e cores vivas expõem a necessidade do artista e do público de então de escaparem de um mundo -que vivia a Segunda Guerra- para outro, onírico.

"A 'escada de fuga', do título e de várias obras, é a imagem que ele usa para sua relação com a política", afirmou Cooper. "Às vezes, ele sobe para entrar na poesia e na imaginação, às vezes, desce para ter contato com o que está acontecendo em terra."

Em terra, há trabalhos sutis, como o recorrente "Camponês Catalão" (que aborda a luta da região espanhola por autonomia e no fim se abstrai em dois riscos com uns fios de barba e um triângulo como o barrete típico).

Mas há também traços grotescos, como os de "Mulher Fugindo de um Incêndio", de 1939, onde uma figura atormentada resume uma Europa mergulhada na guerra e uma Espanha afundada na ditadura franquista recém-parida na Guerra Civil (1936-39). A escada está lá.

Cooper atribui ao preconceito público com a arte política a razão para o Miró lúdico ter se tornado mais conhecido que o Miró angustiado.

"Escada de Fuga" embaralha essa ordem ao dar lugar até para trabalhos criticados, como "Natureza Morta com Sapato Velho" (1937) e suas inesperadas cores ácidas.

A juventude em Barcelona e em Montroig (que marca seus primeiros trabalhos); o flerte tenso com o surrealismo; o autoexílio em Paris e depois o isolamento em Mallorca; suas visitas aos EUA e o legado dos abstracionistas; seu constante retorno à Catalunha, tudo está ali, a ampliar a dimensão de um artista caro ao público.

É Miró sob uma luz surpreendente, sem romper a unidade da obra.

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