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Crítica Drama Filme de Philippe Garrel encontra beleza no vazio Diretor faz de "Um Verão Escaldante" uma obra forte a partir de um emaranhado de percepções e sentimentos INÁCIO ARAUJOCRÍTICO DA FOLHA O que há de mais bonito em "Um Verão Escaldante" são esses momentos em que nada acontece. Em que os personagens contemplam algo ou contemplam-se uns aos outros antes que qualquer sentido esteja formado. É como se seus gestos, suas ideias, nos escapassem: nada sabemos sobre eles, porque também eles não sabem nada de si mesmos. Por outro lado, existem, igualmente fortes, os momentos em que o sentido é pleno. Nada mais forte do que o momento em que o olhar de Angèle (Monica Bellucci) deixa claro o quanto já não suporta o marido Frédéric (Louis Garrel), e que ela completa com um "basta!", em italiano (o ódio só pode ser expresso na própria língua). São esses aspectos que diferenciam o filme de Philippe Garrel do cinema corrente. A história não vai longe: Frédéric, pintor francês, mora em Roma com Angèle, estrela em Cinecittà. Ele convida a passar um tempo por lá o amigo Paul, figurante de cinema, e a namorada, Élisabeth, atriz de pequenos papéis. Pessoas bem diferentes entre si, apesar da afinidade que desenvolvem. Paul, comunista, acompanhará a derrocada de Frédéric, que não tem interesse por política: ele é o marido que não pode viver com a mulher -nem sem ela. Frédéric é um ser de exceção, com destino de exceção. Paul é um homem destinado a uma existência banal: aceitar a exigência de Élisabeth de "amor absoluto", seu sonambulismo (talvez ela esteja se tornando só um fantasma de si), a paternidade. Isso é, criar um filho, arrumar um emprego. E ser o narrador dessa história. Não há nada excepcional nisso. A Frédéric, sim, caberá o destino de exceção: o suicídio, figura frequente nos filmes de Garrel (não é uma surpresa: acontece na abertura do filme). Esse destino é o que está inscrito em seus olhos: a incapacidade de compreender a si mesmo, que o leva, talvez, à cena mais forte do filme, quando se vê perdido numa praça de Cinecittà, entre cenários inacabados ou, talvez, já desmontados. Perto dele, mas inacessível, está a mulher a quem ama, mas que não compreende. A mulher que já o amou e não pode compreendê-lo. Desse emaranhado de percepções e sentimentos, Garrel tira um filme forte, que se distingue da média dos que estreiam toda semana, feitos não porque tenham algo a dizer, mas porque essa é a lei da indústria: fazer com que circule a mercadoria. Dito isso, "Um Verão Escaldante" não é um filme de exceção, como o recente "Amantes Constantes" (2005), do mesmo autor. Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros |
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