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Vertigem retraça história de bairro em tom onírico Em nova montagem, companhia paulistana percorre o Bom Retiro para falar de solidão e fissura consumista Grupo que já encenou peças em hospital, presídio e rio convida Joca Reiners Terron para criar dramaturgia
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA Desde o início de suas atividades, em 1992, o grupo paulistano Teatro da Vertigem já travestiu em palco uma igreja, um hospital, um presídio e mesmo um barco que navegava pelo rio Tietê. Desta vez, o cenário é difuso: a partir do dia 15, a companhia aponta seus refletores para um bairro da região central da cidade. É atrás dos trilhos que levam à estação da Luz, por ruas que, no vazio da noite, têm algo de Gotham City, em endereços vizinhos à Cracolândia que o coletivo apresenta sua nova intervenção urbana, "Bom Retiro 958 Metros". O espetáculo começa ao ar livre, passa por dentro de um pequeno shopping de roupas, volta à rua e se encerra em um edifício abandonado. O título faz menção à extensão do trajeto percorrido. Os processos de criação do Vertigem invariavelmente incluem seminários, laboratórios de vivências pessoais e exercícios de improvisação, além da colaboração de um escritor convidado pelo grupo. Quem empresta a pena à trupe agora é Joca Reiners Terron, autor de livros como "Não Há Nada Lá". Segundo o diretor Antônio Araújo, um estudo amplo sobre a história do bairro e as comunidades que passaram ou se instalaram ali norteou a montagem. À BEIRA DO TEAR A tradição do comércio de roupas (quem não é de São Paulo talvez não saiba que se trata de um polo de moda popular) e da tecelagem delimita as histórias centrais, como a de uma mulher que sonha em comprar um vestido vermelho, a de uma boliviana que atravessa noites costurando e a de um manequim que começa a procurar emprego nas lojas do bairro. São histórias independentes, que podem ou não se cruzar em algum ponto. Na definição de Terron, trata-se de uma colagem de monólogos. No subtexto, ficam sugeridas diversas relações (des)estimuladas pela febre consumista que desfila pelo bairro. Por trás do fiapo de enredo, a dramaturgia se debruça sobre coisas esquecidas, pessoas e lugares abandonados -tudo o que está à margem de uma sociedade que produz em escala industrial. O encadeamento das cenas parte de imagens absolutamente realistas para construir composições oníricas, que por vezes emulam a sensação de um pesadelo. No início da peça, o público acompanha homens que, ao som de um radinho de pilha, transportam caixas. Mais adiante, depara-se com objetos animados, como vestidos que falam e manequins à cata de emprego. São objetos descartáveis que parecem se igualar, em sua desimportância, a tudo aquilo que é feito de carne e osso. A proximidade da Cracolândia (e a controvérsia em torno da operação policial que, no começo deste ano, buscou combater o tráfico e o consumo de drogas naquele perímetro) torna o discurso do Vertigem cortante. Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros |
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