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Arquitetos tentam salvar sonho cubano

Autores das escolas de arte de vanguarda projetadas em Havana buscam restaurar complexo moderno em ruínas

Italiano Vittorio Garatti, que desenvolve teatro em SP, é um dos criadores do projeto e lidera os esforços

SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO

Vencida a revolução em 1959, Fidel Castro e Che Guevara foram jogar golfe para celebrar a deposição de Fulgencio Batista no até então mais aristocrático endereço de Havana, o Country Club.

Entre uma tacada e outra, Castro teve a epifania de transformar aqueles campos verdejantes em escolas de arte de vanguarda, enchendo o terreno dos burgueses com centenas de alunos de arte.

Com a fuga em massa dos arquitetos acostumados a construir cassinos e hotéis de luxo, sobrou para um trio de jovens profissionais, fascinados pela ideia da revolução, a tarefa de projetar um complexo que, aos olhos do ditador, abrigaria as melhores escolas de arte do planeta.

Vittorio Garatti e Roberto Gottardi, italianos radicados em Caracas, e Ricardo Porro, cubano exilado na mesma cidade, então foram a Cuba com a missão de pôr de pé os cinco prédios, dedicados ao ensino de artes visuais, artes cênicas, música e dança.

Construíram três delas, num processo utópico em que os alunos trabalharam com os operários e praticavam o "amor livre" entre assentar tijolos e armar as abóbadas, jardins e caminhos sinuosos que marcaram os projetos.

Eram construções de formas orgânicas, feitas de barro e terracota, únicos materiais encontrados na ilha apartada do comércio global no embargo imposto pelos Estados Unidos. Mesmo feitas às pressas, as escolas -hoje em ruínas- são um dos maiores conjuntos de arquitetura moderna na América Latina.

"Tivemos só dois meses para desenhar tudo", conta Garatti, 85, à Folha, durante uma visita a São Paulo, onde está projetando um anfiteatro numa favela em Perus, na zona norte da cidade. "Fazia cada parte da planta e levava direto ao canteiro de obras."

BELEZA É SUPÉRFLUA

Mas tudo parou quando o regime se aproximou da União Soviética e começou a importar modelos de construção pré-fabricada para dar conta das necessidades da ilha. Toda pretensão estética era vista como supérflua.

Uma crítica de Che Guevara à ideologia dos estudantes, segundo ele bolsistas que usavam dinheiro do governo para se esbaldar em festas, também impôs disciplina militar às escolas, levando à expulsão de alunos e à decadência e ruína do projeto.

Garatti, que hoje encabeça o time de arquitetos originais da obra em defesa do restauro do complexo, chegou a ser preso, acusado de espionagem em Havana nos anos 60.

Quase meio século depois, ele briga para juntar os cerca de R$ 17 milhões necessários para restaurar o conjunto de edifícios e concluir as obras.

Depois que o complexo foi posto na lista de monumentos a serem preservados pelo World Monuments Fund, órgão global de defesa do patrimônio, o governo cubano convocou os arquitetos para requalificar os prédios, mas não alocou verbas para isso.

Além do embargo norte-americano, que impede a destinação de recursos das Nações Unidas às obras, há também uma briga em Havana, onde o governo tentou privatizar uma das escolas.

"Privatizar é uma ideia horrenda. É como sacrificar um dos filhos para salvar os outros passando fome", diz Garatti. "Esperamos por ajuda."

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