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Turista nada acidental

"Banga", disco de inéditas de Patti Smith, traz referências que vão de livros e pinturas a Amy Winehouse

ADRIANA FERREIRA SILVA
DE NOVA YORK

Na manhã da última terça, um grupo de jornalistas se reuniu para ouvir o novo álbum de Patti Smith, "Banga", seu primeiro disco de músicas inéditas desde 2008.

A expectativa era de que a cantora desmarcasse o compromisso na última hora ou aparecesse mas falasse pouco, quase nada.

Contrariando o mito do gênio excêntrico, pontualmente às 19h, Patti Smith, 65, entrou na sala iluminada pela chama difusa de velas espalhadas pelo lendário estúdio Electric Lady, no Greenwich Village, em Nova York.

O espaço, criado por Jimi Hendrix em 1970, foi onde David Bowie gravou "Young Americans"; Rolling Stones eternizou "Some Girls"; The Clash registrou "Combat Rock"; e Patti entoou o clássico álbum "Horses", de 1975.

Vestindo calça jeans justa, camiseta branca e blazer preto, uma bota velha nos pés e os cabelos presos em duas tranças, ela abriu um largo sorriso e se pôs a falar sobre "Banga", um registro "sobre o amor e a lealdade", que traduz seu atual estado de espírito. Patti Smith está feliz.

Sensação muito diferente da que experimentou nos últimos 16 anos, marcados por mortes, como a de seu marido, Fred "Sonic" Smith (1949-1994), guitarrista da mítica banda de rock MC5. "Perdi Robert [Mapplethorpe, amigo sobre quem ela escreveu no livro de memórias 'Só Garotos'], meu irmão, meus pais. Essas lembranças se espalharam por meus álbuns desde 'Gone Again' [1996], que fiz para Fred", explica.

"Não são discos depressivos, mas estava cansada, com raiva. Não passo um dia sem pensar no meu marido ou em Robert, mas este tempo ficou para trás. Meus filhos cresceram, são saudáveis. Estou feliz, e isso se reflete em minha voz e nas melodias."

"Banga", disse Patti, é o resultado de três anos de leituras, viagens e pesquisas sobre escritores e cineastas, aventureiros e pintores do século 15, Johnny Depp e Amy Winehouse ("Me preocupava que pudesse destruir sua voz com tantos excessos. Mas nunca imaginei a morte. Ela tinha a idade dos meus filhos. Foi muito triste").

O nome do disco vem do livro "The Master and Margarita", do escritor russo Mikhail Bulgakov. "Banga é o cachorro de Pôncio Pilatos, que passa 2.000 anos tentando uma conversa com Jesus, período em que o cão o acompanha. Qualquer cachorro, fiel por tanto tempo, merece uma música", brincou.

O interesse por aventureiros do século 15, como Américo Vespúcio, que inspirou "Amerigo", surgiu num cruzeiro que fez a convite de Jean-Luc Godard, nas filmagens de "Film Socialisme".

Todo o álbum, faixa a faixa, incluiu intensas pesquisas.

Foi este também o caso de "Constantine's Dream", improvisada em estúdio e com dez minutos de duração.

"A faixa nasceu de um pesadelo que tive sobre um apocalipse ambiental. Estava em Arezzo, na Itália, e acordei perturbada, saí no meio da noite e entrei numa igreja em que havia este afresco, 'O Sonho de Constantine', de Piero della Francesca. Fiquei dois anos pesquisando suas obras. E daí veio a música."

"Nunca quis ser cantora e, desta vez, estudei as músicas, fui direto às fontes. Agora, sinto que posso ir aonde quiser."

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