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Arquitetura tem de inspirar comunidade

Cameron Sinclair, criador de ONG que reconstrói áreas após desastres naturais, diz que obras precisam ser bonitas

Para britânico, sem urbanização e transporte público, "Minha Casa, Minha Vida" pode ser favela do futuro

RAUL JUSTE LORES
DE SÃO PAULO

De uma pista de skate coberta no Afeganistão (chamada Skate-istão) a um centro juvenil em Caracas, na Venezuela, feito de contêineres e coberto por grafite. O portfólio de obras da ONG Architecture for Humanity é variado.

Com 5.000 arquitetos e designers voluntários, a ONG usa a expertise da arquitetura para reconstruir áreas após desastres naturais e melhorar as condições de vida em 30 países.

Fundador da ONG em 1999, o britânico Cameron Sinclair, 38, está no Brasil para prospectar projetos e dar palestra no Fronteiras do Pensamento.

Patrocinada por doações de empresas como a Nike e por eventos de arrecadação de fundos, a ONG já projeta um centro esportivo para a Associação de Moradores da Cohab Adventista 1, no Capão Redondo (zona sul de SP).

Sinclair, que fez sua tese de doutorado sobre abrigos temporários para sem-teto de Nova York, criou uma rede de "arquitetura aberta", em que projetos erguidos pela ONG são colocados na internet e compartilhados, sem cobrar direitos intelectuais em países em desenvolvimento.

Ele falou por telefone à Folha, de San Francisco (EUA).

Obra bonita
O arquiteto precisa ser meio antropólogo. Sua obra precisa ser bonita, deve orgulhar e inspirar a comunidade à qual vai servir. Mas uma escola, um conjunto habitacional, um posto de saúde precisam ser bonitos e estimados pelas comunidades. Não adianta arremessar um design do alto, bonito, mas imposto. O processo tem de ser de baixo para cima.

Responsabilidade do Brasil
O Brasil tem uma grande escolha diante de si. Quem ele quer impressionar? Quer erguer prédios que digam ao mundo quão incrível o Brasil é ou quer construir prédios que mostrem aos próprios brasileiros a força do Brasil? A Olimpíada fracassou, em vários países, em produzir dividendos econômicos e legados depois dos eventos.
Trabalhei na criação de centros esportivos em comunidades pobres da África do Sul. Dois anos antes da Copa, os custos de construção estavam completamente inflacionados e mesmo a mão de obra capacitada estava absorvida pelas obras caras, não pelas obras para a comunidade, então as oportunidades para construções sociais foram escassas.

Minha Casa, Minha Vida
Esse projeto federal precisa pensar que mais interessante que o objeto é o contexto. Um teto melhor e um encanamento que funcione não são suficientes para criar uma boa comunidade. Cresci em uma área pobre da periferia de Londres. Não interessava a qualidade da construção, as ruas viviam vazias, era um lugar inseguro, meu único sonho era sair dali. Dependendo de como essas casas sejam construídas, sem urbanismo, sem transporte público, podem virar as favelas do futuro. Sem falar que ainda há muito trabalho para melhorar as favelas já existentes, formalizá-las.

Exemplo da Colômbia
Países como Brasil, ou mesmo os EUA, precisam de programas nacionais. Mas, a nível federal, ambos são muito tímidos. Nos EUA, são os prefeitos quem mais ousam, como Michael Bloomberg, em Nova York, ou Cory Booker, em Newark. Vejo na Colômbia um papel muito mais articulado, em que o próprio governo determinou que toda obra a partir de um certo nível tenha concurso de arquitetura. Eles abraçaram o design.

Glamour da arquitetura
A identidade do arquiteto está em crise. Queremos criar valor para a sociedade ou sair em revistas? Existem muitos arquitetos que não se interessam com a moda e que querem causar impacto. A onda dos arquitetos astros elevou a conversa, mas trouxe perigos.

Sustentável
O projeto mais verde, o mais sustentável, é aquele já construído. Há muitos prédios sem função. Estamos fazendo um concurso global para a reutilização de antigas construções militares. Por que não criar nelas escolas no Afeganistão? O que fazer com Guantánamo?
É bom usar materiais, como bambu e palha, que camponeses já sabem usar e que têm sobras suficientes para construir com eles. Temos de pensar em materiais seguros e reutilizáveis em áreas propensas a desastres naturais. O Brasil, com enchentes periódicas, deveria pensar nisso.
Às vezes, materiais como a cola são tóxicos na próxima chuva. Eles podem proteger e matar ao mesmo tempo. A melhor inovação acontece quando você tem um problema claro e uma simples solução se alastra como chama.

FRONTEIRAS DO PENSAMENTO
QUANDO hoje, às 20h30
ONDE Sala SP (pça. Júlio Prestes, 16, tel. 0/xx/11/4007-1200)
QUANTO de R$ 1.470 a R$ 1.680 (para todas as conferências)

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