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Conversas mostram um Lennon cansado da indústria da música

Entrevista derradeira celebra vida e arte com Yoko e reafirma afastamento dos outros beatles

Um dia antes da morte do cantor, casal elogia o jornalista David Sheff pela versão publicada na revista "Playboy"

22.ago.1980/Associated Press
John lennon e Yoko Ono em nova York, diante do estúdio Hit Factory, onde gravaram juntos o álbum "Double Fantasy"
John lennon e Yoko Ono em nova York, diante do estúdio Hit Factory, onde gravaram juntos o álbum "Double Fantasy"

THALES DE MENEZES
EDITOR-ASSISTENTE DA “ILUSTRADA”

Na noite de 7 de dezembro de 1980, o jornalista David Sheff recebeu uma ligação. Era Yoko Ono elogiando a entrevista que ele fizera com ela e John Lennon e estava há dois dias nas bancas, publicada na revista "Playboy". Yoko disse a ele que Lennon também havia gostado.

Na noite seguinte, ele acompanhava uma partida de futebol com amigos em um bar quando a transmissão foi interrompida pela notícia do assassinato de Lennon, abatido a tiros na porta de sua casa por Mark Chapman.

"Nunca esqueci um detalhe desses momentos", diz Sheff à Folha, por telefone. "Tudo é tão vívido que parece ter acabado de acontecer."

A lembrança agora é reforçada pelo lançamento no Brasil do livro "A Última Entrevista do Casal John Lennon e Yoko Ono", com a íntegra das sessões de conversas.

Então com 24 anos, Sheff encontrou o casal várias vezes durante três semanas em 1980, no apartamento deles, no edifício Dakota, e nos estúdios em que John e Yoko finalizavam "Double Fantasy", que marcaria seu retorno à música após cinco anos.

Sheff credita sua chance de entrevistá-los ao disco. "Eu tive sorte, muita sorte. Não tinha contato prévio com eles e liguei pedindo a entrevista. Justamente no dia em que John e Yoko decidiram que precisavam voltar à mídia."

Nos contatos iniciais, um dos assessores do casal perguntou a data de nascimento de Sheff. Depois Yoko ligou para ele, dizendo que seu mapa astral era muito bom e por isso daria a entrevista.

Com métodos pouco ortodoxos como esse, Yoko conduzia questões práticas dos negócios. Fica evidente nas conversas que Lennon estava mais preocupado com a educação do filho Sean, sua maior ocupação nos cinco anos anteriores, do que em planejar sua vida pública.

As inúmeras questões comerciais que envolveram os ex-Beatles na década de 70, entre divisão de dinheiro que a banda ainda arrecadava e a insistência de fãs e empresários pelo retorno do grupo, deixaram Lennon cansado da indústria da música.

"Double Fantasy", disco dividido com faixas de Yoko, era para Lennon "a celebração de vida e arte com ela", mas provocava dúvidas no cantor. Ele questionava se o público estava disposto a ouvir John Lennon com Yoko.

O artista fala muito sobre a supremacia da arte sobre o mercado. "Ele parecia tentar expurgar o estrondoso sucesso comercial dos Beatles, tirar das costas o peso de uma geração inteira prestando atenção nele", diz Sheff.

ELE E OS BEATLES

O relacionamento com os outros integrantes está espalhado pelas páginas do livro.Fica a impressão de que tratava Ringo Starr com carinho e mantinha distanciamento frio de George Harrison.

Para Sheff, "são como amigos de juventude que vão perdendo contato". Quanto a Paul, a relação era mais forte. "Havia amor fraternal e, principalmente, respeito e admiração pelo talento de Paul", afirma o escritor.

Sheff crê que Lennon reconhecia que os dois eram diferentes como artistas. "Paul foi sempre o contador de histórias, escrevia sobre personagens externos, como Michelle ou o cara que vai fazer 64 anos. Lennon era visceral, seus sentimentos explodiam nas canções. Falava de seus medos, de suas raivas."

Sheff reconhece que o casal fazia da vida pública uma expressão artística, encarando cada aparição ou declaração como um manifesto.

"Às vezes senti estar ali como um instrumento de John. Ele queria deixar claro que a nova fase era uma integração de vida e arte com Yoko e um grande espaço como a entrevista da 'Playboy' era perfeito para suas intenções."

Instigado a imaginar como estaria Lennon hoje ainda vivo, chegando aos 70 anos, Sheff demora a responder.

"Estaria fazendo arte, claro. Eu queria reencontrá-lo. Fiquei amigo de Yoko, estamos sempre em contato, visitamos um ao outro, e gosto muito de Sean. John e Yoko mudaram minha vida."

A ÚLTIMA ENTREVISTA DO CASAL JOHN LENNON E YOKO ONO

AUTOR David Sheff
TRADUÇÃO Vania Cury
EDITORA Nova Fronteira
PREÇO R$ 40 (296 págs.)

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