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Crítica romance

Autora acerta em linguagem travada para narrar o amor

Romance de Elvira Vigna é enriquecido pelo excesso de autoconsciência

NOEMI JAFFE
ESPECIAL PARA A FOLHA

O título do último romance de Elvira Vigna, "O Que Deu para Fazer em Matéria de História de Amor", já dá bem as pistas do que se lerá.

É tanto uma confissão metalinguística, como se a autora estivesse fazendo uma autocrítica ou mesmo uma crítica à sociedade moderna, em que histórias de amor praticamente não cabem mais, como também uma descrição do conteúdo do livro, cuja trama (esgarçada, labiríntica) fala justamente sobre um jogo amoroso que flutua entre o possível e o impossível.

E é a própria oscilação entre metalinguagem e fluxo narrativo que define a prosa deste romance.

A narradora, que conta a própria história, baseando-se também na história de personagens do passado, hesita sobre sua capacidade de contar o que quer que seja, logo no início do romance. "Podia parar por aqui"; "Se forçar a barra, chego no suspense"; "Quero, porque preciso da história. Precisamos. Digo, não eu e Roger, mas todos."

E aqui, nesse rompante metalinguístico, a narradora não inclui somente a si, mas também a nós, leitores, que certamente também temos uma história de amor fracassada que é impossível contar.

Afinal, quem consegue, em tempos de pós-história e de pós-representação, contar qualquer coisa, quanto mais uma sempre ridícula história de amor?

Mas a narradora avança, mesmo que por uma narrativa intencionalmente gaga. É preciso que o leitor suporte as idas e vindas do texto porque as hesitações não impedem que a história seja finalmente contada.

E é no passado de quatro imigrantes do pós-guerra, aqui no Brasil, e suas difíceis sobrevivências, que ela vai encontrar histórias de adultério, bastardia, moralismo e medo, com o necessário mistério que, além de tudo, envolve até certa crítica ao mundo da arte concreta e neoconcreta dos anos 1970, chegando a citar nomes e fatos reais desta época.

O maior mérito do romance está certamente na linguagem travada, bloqueada pelo excesso de autoconsciência da narradora, cujas contradições enriquecem mais do que confundem. Outro mérito é a coloquialidade e a simplicidade com que ela consegue narrar uma trama densa e complexa.

Mas, a partir do momento a cerca de um terço da narrativa, em que ela abandona as hesitações da fala e a metalinguagem e passa a contar os fatos de forma mais sequencial e próxima do convencional, a narrativa perde um pouco de sua força paradoxal e autocrítica e se aproxima de um romance de suspense mais conhecido.

O risco que a autora aceitou correr, no uso da metalinguagem e da dificuldade intencional de contar o inenarrável, deveria se manter ao longo de todo o romance.

Mas a densidade da trama e dos personagens, além da forma como a história do Brasil se entranha na vida e nos amores de todos, superam esse deslize.

NOEMI JAFFE é doutora em literatura brasileira pela USP e autora de "Quando Nada Está Acontecendo" (Martins)

O QUE DEU PARA FAZER EM MATÉRIA DE HISTÓRIA DE AMOR
AUTORA Elvira Vigna
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 34 (208 págs.)
AVALIAÇÃO bom

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