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"Febre do Rato" vai na contramão da indústria

Filme de Cláudio Assis usa a poesia como forma de arte transgressora

Diretor pernambucano continua fazendo cinema de guerrilha e diz que se manter íntegro é uma guerra

DE SÃO PAULO

"Pergunte o que você quiser que eu falo". Quem conhece o cineasta Cláudio Assis sabe que nem é preciso o sinal verde. O diretor pernambucano de "Baixio das Bestas" e do novo "Febre do Rato", que estreia hoje, é conhecido pelas declarações polêmicas. Já chamou o cineasta Hector Babenco de "imbecil" durante a premiação do Grande Prêmio TAM do Cinema Brasileiro, em 2004, e agora volta as baterias contra "Na Estrada", de Walter Salles, e se diz "chocado" com o encontro do ex-presidente Lula com Paulo Maluf.

(RODRIGO SALEM)

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Folha - Você adora falar mal do cinema nacional. Por quê?

Cláudio Assis - O cinema brasileiro é careta e precisa de atitude. Eu não devo nada a ninguém. Nasci nu e estou vestido. A grande maioria do povo gostaria de fazer e não pode. Quem faz é um bando de filhos da puta! O Cinema Novo morreu faz tempo. Zelito Viana [produtor de vários filmes do movimento] é um cadavérico. Só existe Nelson Pereira dos Santos, que é um homem elegante e de fibra.

Não tem nada de bom no cinema brasileiro de hoje?

Não. Vai ver esse "On The Road" aí, essa merda.

Mas você já viu?

Nem precisa ver. Não vem nada dali. Esses caras são fabricados e vendidos. Arte não se compra. São playboys da arte. Cannes? Achei foi bom [porque perdeu].

E "Tropa de Elite"?

Que porra de "Tropa de Elite"! É uma fórmula americana. Esse cinema está fadado ao fracasso, porque as pessoas estão tentando ser iguais. O cinema precisa sair do eixo Rio-São Paulo. Só tem um cineasta bom no Rio: Eduardo Nunes ("Sudoeste"). São Paulo, só dois, agora que [Carlos] Reichenbach morreu: Beto Brant, pequeno burguês do interior, e Anna Muylaert. Mas não adianta só colocar uma gata nua como fez Beto [em "Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios"]. E Zé do Caixão? É um cara do caralho e fizeram uma assepsia nele no último filme. Paulo Sacramento [produtor de "Encarnação do Demônio"] colocou um monte de gostosas, uns truques, mas para quê? Zé do Caixão é bom quando é natural.

O cinema não precisa ter essa variedade de vozes?

Não. Precisa é de atitude. Eu só acredito em coisas que mudam e provocam. Não acredito na Coca-Cola.

Em "Febre do Rato", todo mundo bebe cerveja...

É Xingu (risos). Mas ninguém sabe disso. Você não consegue ler. Você não vai ver patrocínio da Brahma nunca nos meus filmes.

Não é ser radical demais?

Não é radicalismo, é respeito. Para fazer esses filmes, você coloca no computador e ele entrega um roteiro de Hollywood com final feliz. A vida não se dá bem no final.

Você não quer se dar bem?

Não, eu quero defender o direito de errar. Arte não é certinha, feita no computador. Por que o filme não pode ser errado? Hoje é tudo enquadrado. Lula visita Maluf, o que é isso, porra?

Ficou chocado?

Claro que sim. Só pode ser o câncer, não é possível. Como vou explicar para Francisco, meu filho de sete anos?

É difícil manter a integridade?

É impossível. Sou mais que íntegro, mas é uma guerra. Eu não vou ficar rico. Nem beber uísque melhor.

Seu filme estreia em 10 salas. "E Aí... Comeu?", em 550...

Eles hoje queimam filmes como a inquisição queimava livros. É tudo besteirol, humor burro. Não sou contra comédia mas... "E aí.. Comeu?"? Respeite minha mãe!

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