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Crítica romance Barnes lança olhar sombrio sobre os desvãos da memória em livro premiado NOEMI JAFFEESPECIAL PARA A FOLHA Qual é o sentido da história e qual é o seu fim? Ela é progressiva e linear, regressiva e torta ou múltipla e circular? A história de uma pessoa termina quando ela morre ou permanece perturbando quem sobrevive? E ainda mais: em que medida cada um conhece e sustenta a própria história? Essas e outras questões vibram continuamente ao longo do romance "O Sentido de Um Fim", de Julian Barnes. O livro ganhou o Booker Prize, principal premiação literária em língua inglesa, em 2011. Na primeira parte da narrativa, o protagonista Tony lembra cenas da adolescência, em meio a um grupo de rapazes iconoclastas, à exceção de Adrian, um colega brilhante, sério e com verdadeiras dificuldades familiares e materiais. Durante uma aula, à pergunta sobre o que é a história, Tony dispara: "É a mentira dos vitoriosos". Colin, mais ousado, resolve que ela não passa de um sanduíche de cebola crua, que se repete e fede indefinidamente. Só Adrian, lúcido, diz que "a história é aquela certeza fabricada no instante em que as imperfeições da memória se encontram com as falhas da documentação". Essa resposta permanece ressoando durante toda a narrativa, depois de um incidente trágico com o próprio Adriane e principalmente na segunda parte do romance, quando Tony já está no presente, aposentado, divorciado e avô. REFLEXÃO FILOSÓFICA É nessa fase da vida que ele é obrigado, por circunstância inesperada, a se confrontar novamente com os acontecimentos da juventude. É quando ele percebe que tinha esquecido muito mais do que imaginava e que sua memória guardou só aquilo que era mais conveniente. Numa linguagem que consegue fundir reflexão filosófica e ação, de tal maneira que o leitor se mantém em estado constante de tensão, o narrador em primeira pessoa questiona o sentido e a finalidade de sua vida, em que as memórias funcionam mais como anteparo do que como combustível para o presente. DIÁRIO Na velhice, Tony descobre que herdou o diário de Adrian. O caderno, porém, foi sequestrado por uma ex-namorada de ambos, Veronica,. Nos diálogos difíceis e silenciosos que mantém com ela, tentando recuperar o diário, Tony é obrigado a reconhecer um lado oculto e sombrio de sua personalidade. O conforto em que vive pode então ganhar o nome de covardia ou mediocridade -a maturidade pode não passar de prudência e o realismo pode não ser nada além de um meio de evitar as coisas. Que o leitor não espere grandes revelações no final. Elas existem, mas estão subentendidas nas curvas da história, exatamente como fazem as lembranças pelos descaminhos da memória. Esse é um romance para ser relido, assim como, para reencontrar o sentido da própria história, é preciso remexer o passado. NOEMI JAFFE é doutora em literatura brasileira pela USP e autora de "Quando Nada Está Acontecendo" (Martins)
O SENTIDO DE UM FIM |
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