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Espanhol retrata heróis a partir de golpe Javier Cercas lança 'Anatomia de um Instante' às vésperas de vir à Flip e comenta fascínio por não ação na história Autor de "Soldados de Salamina" narra tentativa de evitar transição para a democracia em 1981 SYLVIA COLOMBODE BUENOS AIRES O espanhol Javier Cercas, 50, tem fascinação pelos momentos de não ação da história. Especialmente por aqueles instantes em que o fato de nada acontecer muda algo, a vida de um homem ou de muitos, de forma irreversível. Foi assim com "Soldados de Salamina" (2001), em que retratou a história de um líder da Falange [organização paramilitar de apoio ao general Francisco Franco] que teve sua vida poupada por um militante republicano que, inexplicavelmente, decide não matá-lo quando tem oportunidade e arma na mão. É assim também em "Anatomia de um Instante" (2009), que narra o momento de uma tentativa de golpe de Estado, na Espanha, em 1981, em que três homens destemidos não temem as balas que se cruzam na Câmara dos Deputados e ficam, impassíveis, em seus lugares. Com sua não ação, inibem e neutralizam os direitistas, que ameaçavam a transição do país para a democracia depois de anos de franquismo (1939-1975). "Soldados..." recebe nova edição no Brasil, enquanto "Anatomia..." é lançado pela primeira vez, ambos pelo selo Biblioteca Azul, da editora Globo. Cercas é também convidado da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), onde conversará, no dia 5/7, às 17h15, com com o colombiano Juan Gabriel Vázquez. "Os dois livros têm elementos em comum. O que faço não é romance histórico, mas investigar momentos em que tudo muda. Em ambos os casos, as transformações acontecem porque indivíduos não fazem o que seria mais evidente, mais lógico, mas depois a história lhes dá razão", disse o autor, em entrevista por telefone, de Barcelona. Cercas acrescenta que há, nas duas obras, uma reflexão sobre o que é o heroísmo. "O homem que diz 'não' é um homem livre. Esses protagonistas são assim, por isso são capazes de transformar vidas ou a história. Um porque se nega a matar, o outro porque se nega a se esconder." Outro ponto em comum entre "Soldados..." e "Anatomia..." é o fato de fazerem investigações sobre momentos da história política espanhola que se refletem hoje. Cada um a seu modo, os dois se referem a uma cisão que está na raiz da história do país, entre os que se aferram a uma ideia de Espanha católica, branca e conservadora e outra que se crê moderna, progressista e cosmopolita. "Em 1981, considerávamos que o franquismo estava morto. Quando aqueles homens com longos bigodes e ares de toureiros saídos de um texto de [Federico García] Lorca entraram no Parlamento, percebemos o quanto devíamos acertar contas com o passado." Cercas diz que, ao comentar esses livros, é inevitável não pensar na Espanha do presente, que ele ainda considera dividida. "Matar-nos foi o esporte nacional dos espanhóis desde sempre. Não pense que é o futebol. Todas as gerações viram a sua guerra. A União Europeia foi nossa única utopia razoável. E agora estamos vendo se podemos nos manter nesse sonho."
ANATOMIA DE UM INSTANTE |
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