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10ª Festa Literária Internacional de Paraty Vila-Matas leva suas provocações à Flip Ele fala hoje ao lado do chileno Alejandro Zambra e substitui, no sábado, o francês Le Clézio, que cancelou vinda Consagrado no Brasil, o catalão fala de sua paixão por futebol e provoca: "A maioria dos escritores é ignorante" RODRIGO LEVINOENVIADO ESPECIAL A BARCELONA Enrique Vila-Matas, 64, é um provocador. E finge tão bem não ser que é fácil solidarizar-se ao ouvi-lo dizer que se sente um fracassado. Os números de sua carreira ajudariam a desmenti-lo. Mas o catalão, autor de 28 livros, entre romances e ensaios, traduzido em 32 países e aclamado em prêmios literários na França, na Espanha e em Portugal, não se furta de explicar a "boutade". "Fracassar é inerente à literatura. Um autor nunca vai conseguir pôr no papel com exatidão o universo ficcional que pretendeu criar. A única obra perfeita é a morte, que se encerra em si", disse em entrevista à Folha, no charmoso apartamento onde vive com a mulher, em Barcelona. Escritor em ascensão no país, onde é publicado desde 2004, Vila-Matas é atração de hoje na 10º Flip, (com aparição extra no sábado, em substituição ao Nobel francês J.M.G. Le Clézio, que cancelou a vinda ao país) e lança na festa seu romance mais recente, "Ar de Dylan". "Tenho me surpreendido com a recepção dos meus livros no país, com o que comentam no Twitter", conta o autor que, apesar de não ter conta na rede social, diz espiar o que dizem dele diariamente, qual um detetive. Tipo de personagem, aliás, que diz resumir a sua literatura. "Com meus livros promovo investigações literárias, não necessariamente para achar culpados". E, rindo, se qualifica como "romancista policialesco", em vez do costumeiro pós-moderno. Não que o rótulo seja injusto. Sua obra mescla realidade, ficção, metaliteratura, ensaio e crítica literária. É pós-moderna, por assim dizer. CAMALEÃO Em "Ar de Dylan", a investigação gira em torno de uma frase atribuída ao escritor americano F. Scott Fitzgerald e da atribulada vida do protagonista, às voltas com memórias do pai. A menção a Dylan, diz ele, foi a forma que encontrou de dar um rosto ao jogo de espelhos que criou para a narrativa. "Nenhum artista moderno me parece tão camaleônico quando Bob Dylan. É difícil saber quem de fato ele é." Também não é fácil saber quem de fato é Vila-Matas. Nascido numa família barcelonesa de classe média, ele tem na biografia uma coleção de fatos surpreendentes. Escreveu o primeiro livro aos 12 ("em férias na praia, para me isolar da família") e serviu como soldado do Exército espanhol em Melilla (Marrocos) no fim dos anos 60, antes de deixar a ditadura de Franco, rumo a Paris. "Minha função era servir as refeições de oficiais. Nos intervalos, como não havia muito o que fazer, escrevia." Daí surgiu "Mulher no Espelho Contemplando a Paisagem" (1973), romance que inaugura sua bibliografia. Na capital francesa, vivia de bicos como jornalista. Mas a efervescência parisiense não o aproximou de outros escritores, como se pensaria. "As pessoas acham que escritores são pessoas iluminadas, muito inteligentes e que sabem muito sobre o mundo. Na verdade é o contrário: a maioria deles é ignorante e pouco imaginativa. Há uma porcentagem de gente muito idiota nesse meio." O meio do futebol lhe apetece mais. Diz o fã do Barcelona: "Assisti a muitos jogos contra times brasileiros na infância. Adorava a camisa do Vasco da Gama, aquela cruz vermelha na faixa preta". VAI, BARÇA! O futebol já foi tema de "Dr. Pasavento", um de seus livros mais conhecidos no Brasil. Agora, enquanto não escreve o próximo (sempre pela manhã cedo), vê filmes, lê livros (cinco, entre romances, ensaios e biografias) e jornais (que "só falam da crise"). Se é possível nascer uma nova literatura desse momento, ele diz não ter certeza. "A crise cultural na Espanha é maior do que a econômica." Desde 2008, segundo a associação de editores espanhóis, o mercado de livros caiu 18% no país. O que pode servir de reforço à última provocação de Vila-Matas, ao se despedir da reportagem da Folha, caminhando pelo corredor longo e atulhado de livros de seu apartamento: "O que nós, escritores, podemos fazer para melhorar o mundo? Nada".
AR DE DYLAN |
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