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10ª Festa Literária Internacional de Paraty

Adonis traz poesia questionadora ao país

Cotado para Nobel e nome fundamental da literatura em árabe, ele é editado pela 1ª vez no país e fala hoje na Flip

Conhecido pelo seu secularismo, sírio fez da oposição entre Estado e credo tema de sua produção artística

DIOGO BERCITO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

"Você entende uma rosa?"

O poeta sírio Adonis, 82, pergunta. Ênfase no verbo. Diante do silêncio, sorri.

Destaque de hoje na 10ª Festa Literária Internacional de Paraty e uma das vozes fundamentais da poesia árabe, Adonis é publicado pela primeira vez no Brasil, com "Poemas", em edição da Companhia das Letras.

Ele traz ao país sua poesia ambígua, convencido de que ela tem o dever de questionar, e não o de dar as respostas.

Essa convicção, diz Adonis em conversa com a Folha, é o que separa a arte "do fosso da religião e das ideologias".

Conhecido pelo secularismo, ele fez da oposição entre Estado e credo tema não apenas de sua orientação política mas também de sua poesia e produção acadêmica.

"POETAS RUINS"

Síntese desse pensamento é a tese "al thabit wa al mutahawil" -ou seja, "o fixo e o mutável", a ideia de que a cultura árabe tem um polo estático, a religião, e outro dinâmico, a experimentação.

Mas a "verdadeira poesia árabe", diz, "sempre foi contrária à religião". "Somente poetas ruins eram religiosos."

"A arte não pode ser uma ferramenta para a religião, a política e as tendências. Ao contrário: tudo precisa estar a serviço da poesia", afirma.

É uma posição que ele compartilha com o sufismo, vertente mística islâmica com que Adonis tem em comum uma série de concepções -como a de que a realidade é apenas a superfície das coisas. Daí, por exemplo, não entender o que é uma rosa.

"Para mim, o sufismo foi a revolução mais importante para a civilização islâmica."

"Civilização" que, para Adonis, já foi extinta. É dele a ideia polêmica de que não existe mais um povo árabe, no sentido de que só persistiria enquanto participasse da construção do futuro.

"Se você olhar por esse ponto de vista, verá que os árabes não estão fazendo nada de novo. Estão consumindo a produção dos outros."

Se revolução ainda for o tema, aliás, diz: "Para mudar a sociedade, é importante separar o Estado da religião".

A Primavera Árabe, que tem destronado ditadores em países como Tunísia, Iêmen e Egito, ainda não se provou capaz de tal, para o poeta.

"O que temos visto é uma mudança de regime. Ninguém está falando sobre secularismo e direitos das mulheres. Há um retrocesso."

Não que Adonis pense que o islã é em si incompatível com a civilização. Mas o islamismo como instituição, sim.

"Você não pode ser contrário à fé islâmica. [A fé] é um direito de todo ser humano. Mas, quando você tenta impor um credo a uma sociedade, isso é uma violência", diz.

"Se uma sociedade precisa de religião, ela deveria ser a dos direitos humanos."

VERSOS LIVRES

Mantendo como tema a revolução, mas mudando o foco -agora, a literatura. A insurgência de Adonis é em relação a uma tradição poética marcada pelo "thabit", o "fixo" da métrica, que ele desafia em versos livres e brancos.

"O simples ato de fazer poesia é uma mudança", diz. "Começa mudando uma palavra em outra. Mudando a relação entre palavras e coisas. Entre o texto e o leitor."

Exemplo dessa abordagem é o poema "Guia para Viajar pelas Florestas do Sentido", em que Adonis faz perguntas e, em seguida, dá definições.

Um dos trechos remete à pergunta feita durante a entrevista: "O que é a rosa? Cabeça cultivada para corte".

POEMAS

AUTOR Adonis

TRADUÇÃO Michel Sleiman

EDITORA Companhia das Letras

QUANTO R$ 42 (256 págs.)

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