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Festival celebra musa da nouvelle vague

Anna Karina, protagonista de clássicos de Jean-Luc Godard, será homenageada em evento amanhã em Brasília

Atriz radicada em Paris vem ao país e participa da primeira edição do Brasília International Film Festival

SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO

Desde que a descobriu num comercial de sabonete, Jean Luc-Godard, artífice da nouvelle vague, não tirou os olhos de Anna Karina. Ela, como o sabão que anunciava na televisão francesa, não era como as outras.

Nos anos 1960, a dinamarquesa que fugiu, depois de brigar com os pais, aos 17, para uma Paris em ebulição foi o rosto do movimento que mudou as bases do cinema.

Coco Chanel (1883-1971), de quem foi uma das modelos, sugeriu que suavizasse o nome de fato, Hanna Karin, para algo mais palatável a ouvidos franceses, mas que ainda guardasse certo exotismo.

Karina era mesmo isso, uma bonequinha de luxo magnética, de olhos infinitos, dona de uma beleza estranha -ao mesmo tempo delicada e desajeitada-, difícil de enquadrar, como quase todo o movimento cinematográfico comandado por Godard, com quem se casou em 1961.

Morena ou ruiva, pequena e um tanto frágil, ela destoava em quase tudo de Brigitte Bardot, a louraça curvilínea que foi outra das musas de seu marido na época.

Meio século depois, já sepultada a nouvelle vague, seu rosto é lembrado como símbolo máximo daquela estética. Ela é agora a figura homenageada no Brasília International Film Festival, que começa amanhã na capital.

"É um presente que ainda se lembrem daqueles filmes", diz Karina, 71, com sua voz rouca, por telefone, de Paris. "Hoje, o cinema é menos poético, é cada um por si, só violência e dinheiro. Nós nos levávamos menos a sério, mas fazíamos coisas mais sérias."

Por pouco ela não teve um pequeno papel em "Acossado", primeiro longa de Godard, com Jean Seberg e Jean-Paul Belmondo, que acabou abrindo o movimento.

"Ele disse que eu ia ter que tirar a roupa, então recusei o papel", conta. "Três meses depois, ele me mandou um telegrama oferecendo o papel principal de outro filme, uma trama política, sem nudez, e exigiu que eu o encontrasse para conversar."

Aquele filme político era "O Pequeno Soldado", rodado em 1960 e lançado em 1963. Foi a faísca inicial de seu romance com Godard. Num jantar durante as gravações na Suíça, ele passou por debaixo da mesa um bilhetinho dizendo que a amava.

ENCONTRO MAGNÉTICO

"Fazia três meses que eu trabalhava com ele, estava apaixonada também, mas aquele foi o primeiro passo. Peguei minhas coisas e fui ao encontro dele num café em Genebra", lembra Karina.

"Ele largou o jornal que estava lendo e me beijou por alguns segundos que pareceram horas. Foi magnético. Depois, me deu um vestido branco, que eu uso no filme."

Mais tarde, vieram "Uma Mulher É Uma Mulher", que lhe rendeu o prêmio de melhor atriz em Berlim, e "Viver a Vida", que firmou sua imagem de jovem estonteante -a diva da nouvelle vague.

"Não tínhamos um roteiro. Lembro o primeiro dia em que gravei com o Jean-Paul Belmondo. Eu tremia inteira, até que a gente virou quase irmãos", conta Karina, que contracenou com o ator-fetiche de Godard numa série de filmes. "Tudo era simples, ninguém ganhava milhões de dólares. Ser rico era ter um carro e um apartamento, e a gente se divertia gravando."

Depois do estrelato e do fim de outros três casamentos, Karina diz estar em paz com a velhice. "Todos nós estamos na mesma rota. Quando somos jovens, não pensamos nisso", diz ela. "Mas tenho meus amigos, moro no Quartier Latin, não está nada mal. Se pensasse só na velhice, não pararia de chorar."

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