Crítica Road Movie

Filme abandona fidelidade e captura espírito do original

Agora que estão longe os holofotes e o tapete vermelho de Cannes e, com eles, os juízos apressados e os vereditos definitivos, "Na Estrada" pode ter suas qualidades avaliadas e ser apreciado.

A adaptação do relato de Jack Kerouac parecia não fazer mais sentido, depois de tantas décadas nas quais a visão de mundo da geração beat ajudou a reinventar valores e comportamentos e gerou um sem fim de derivados.

O projeto de adaptação de "Na Estrada" tinha um quê de desnecessário, mesmo para a filmografia de Walter Salles, cujo percurso composto de sucessivos "nas estradas" pode ser interpretado como releitura da matriz que Kerouac adotou e reinventou.

Por outro lado, o problema maior seria como representar tipos e situações que não fossem de pronto recusadas pelos devotos de Kerouac, intolerantes a não reconhecer senão suas próprias imagens.

A saída foi reconstruir o romance cinematograficamente. Para isso, abandonou-se a fidelidade e buscou-se capturar o espírito da obra. O roteiro enxuto de Jose Rivera optou por um rumo e evitou os atalhos, oferecendo um fio narrativo sem digressões.

Com essa segurança em mãos, Salles desenha um mapa afetuoso da parceria masculina entre Sal e Dean, expressa os apelos e embates do erotismo surdo que une e separa os dois homens, acompanha a fusão de desejo e ciúme quando à amizade mistura-se a sexualidade de Marylou, Camille e Carlo.

Com inteligência e sem excesso de precaução, o projeto ganha sentido na medida em que se transformou no, talvez, mais belo filme de Salles e não só numa boa adaptação do livro de Kerouac.

NA ESTRADA

DIREÇÃO Walter Salles

PRODUÇÃO França, EUA, Reino Unido e Brasil, 2012

ONDE nos cines Reserva Cultural, Lumière Playarte e circuito

CLASSIFICAÇÃO 16 anos

AVALIAÇÃO bom