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Crítica romance Boa estrutura alivia linguagem imatura de jovem escritora Livro premiado de Luisa Geisler, 21, tem roupagem arrojada, mas peca pela artificialidade de personagens NOEMI JAFFEESPECIAL PARA A FOLHA O mais interessante, no romance "Quiçá", de Luisa Geisler, vencedora de dois Prêmios Sesc -um por este livro, outro por uma reunião de contos- e selecionada pela revista "Granta", tudo aos 21 anos, é sua estrutura. A trama sobre Clarissa, uma menina precoce de 11 anos, negligenciada pelos pais "workaholics" e seu primo Arthur, que tentou o suicídio e que passa com ela uma temporada de um ano, é entremeada por capítulos curtos sobre os mais disparatados temas, como "ménage à trois", pena de morte, apedrejamento de mulheres e citações de outros autores. Além disso, nos próprios capítulos em que se conta a narrativa, há uma dupla temporalidade: parte dela ocorre num almoço familiar de Natal e a outra, a principal, nos encontros e desencontros entre Clarissa e Arthur. As passagens de um tempo a outro ocorrem de forma imperceptível, fazendo com que um desemboque sutilmente no outro, o que provoca no leitor uma dúvida interessante sobre os diferentes papéis que os personagens exercem em cada ambiente. O resultado é uma narrativa que alterna fragmentos e linearidade, num mosaico temporal e temático que se abre para questionamentos sobre a sociedade de consumo, a hipocrisia das relações familiares e a manutenção moralista de valores caducos. Trata-se, sem dúvida, de um desafio ambicioso, de que a autora consegue dar conta com sucesso. Mas é nos meandros mais finos do romance que se revela, talvez, a imaturidade na realização de uma proposta tão arrojada. Para criticar o consumismo excessivo da família que acolhe Arthur -e que procura compensar o descaso pela filha com a quantidade de objetos- a palavra "televisão" vem sempre acompanhada dos parênteses: (Full HD, conexão à internet, com 3D, 52 polegadas). As falas dos personagens são invariavelmente seguidas pelos dispensáveis "ele disse", "ela disse", "ela sorria". Apela-se a sinônimos em sequência, como "infantilidade, primarismo e amadorismo"; um dos fragmentos é transcrito no original italiano, sem tradução. Mas o maior problema do livro é que se estabelece uma distância entre o que os personagens diriam e o que o narrador os faz dizer, gerando artificialidade, em nome de uma crítica programática ao consumismo. O livro surpreende pela boa realização da roupagem, mas tamanho desafio poderia ter recebido maior cuidado na costura. NOEMI JAFFE é doutora em literatura brasileira pela USP e autora de "Quando Nada Está Acontecendo" (Martins)
QUIÇÁ |
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