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'No território da arte, não há democracia'

Escritor paraibano Ariano Suassuna desdenha internet e compara sucesso de Lady Gaga com o de "Os Sertões"

Principal mentor do Movimento Armorial assiste todo dia às três novelas da Globo e as considera "razoáveis"

MORRIS KACHANI
DE SÃO PAULO

Com 85 anos recentemente completados, e sem nunca ter saído do Brasil, o escritor Ariano Suassuna ainda hoje cria cabras no sertão paraibano, onde passou a maior parte da infância. Também se dedica a finalizar seu novo romance, "O Jumento Sedutor".

Mas o que tem ocupado a maior parte de seu tempo é a apresentação de "aulas-espetáculo" por todo o país -espécie de conferência em que lança mão de recursos de teatro, música, vídeo ou récitas, sempre tendo a literatura como tema principal.

É quando Ariano vive seus momentos de pop star, com homenagens e autógrafos. Em maio, em Ribeirão Preto (SP), houve confusão, invasão de camarotes e atraso.

Só na última semana, Ariano apresentou três aulas-espetáculo. Na quarta-feira, esteve em São Paulo para discorrer sobre a tradição oral e seus narradores. Começou falando sobre a amizade e o apreço pela obra de Guimarães Rosa e depois seguiu por Euclydes da Cunha, cangaceiros, Alceu Amoroso Lima, Afonso Arinos, Dostoiévski, Gandhi e até Lady Gaga.

Arrancou risos e aplausos por mais de uma vez. "Lady Gaga tem mais sucesso hoje, mas será que vai ser lembrada daqui a cinco séculos? 'Os Sertões' será" (risos). "Mistura de raças não é impureza, é riqueza" (aplausos).

Mas o que espantou a plateia que lotou o teatro do Sesc Pinheiros foi sua memória prodigiosa, que ele próprio classificou como sendo "de cachorro vingativo". "Eu decoro poesia sem querer. Só do Camões eu sei uns vinte sonetos", ele diria logo depois, na entrevista à Folha.

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Folha - Quais são os dez maiores romances da literatura universal, em sua opinião?

Ariano Suassuna - O senhor está falando com um arcaico. O número de escritores bons e excepcionais é reduzido. Os dez são somente sete: "Dom Quixote", "Crime e Castigo", "O Idiota", "Os Demônios", "Os Irmãos Karamázov", "Guerra e Paz" e "Em Busca do Tempo Perdido".

O sr. acompanha a produção contemporânea?

Não, porque não gosto nem tenho tempo. Ainda não li a obra inteira de Dostoiévski -por que vou perder tempo com esses romancistas de segunda categoria? Não existe arte nova ou velha, só boa ou ruim. Para mim, o último grande romancista foi Proust.

O sr. usa computador?

Não sou contra computador, mas não quero usar. Escrevo à mão e eu mesmo ilustro as páginas dos meus livros. Não é por princípio, é por prazer, eu só sinto prazer de escrever à mão.

E a internet?

Nunca olhei a internet. A velocidade da comunicação não é coisa boa. Arte exige vagar e dedicação exclusiva. O que vou dizer vai talvez te deixar chocado, mas infelizmente, no território da arte, não existe democracia. Nem pode existir. Cervantes só existe um. Ninguém chega a ele através do computador.

O sr. está preparando um novo livro...

Sim, posso adiantar o título, "O Jumento Sedutor". É uma homenagem a "O Asno de Ouro", do escritor Lucius Apuleio, do século 2, uma obra que me toca muito. Mas eu escrevo e reescrevo, já dei por pronto tantas vezes que estou desmoralizado.

Qual a importância do sertão na sua obra?

Todo universo de um escritor se forma na infância e na adolescência. E tudo na minha obra se passa dentro dos valores, das histórias e dos personagens que conheci até os 20 anos. Sou um ladrão desgraçado, copio o que eu vejo ou então roubo (risos).

O sr. assiste TV?

Assisto novela. Das seis, das sete e das oito. Acho melhor que qualquer enlatado americano.

E gosta?

Eu não disse que gosto, eu assisto. Acho que novela vai de razoável a péssimo. Essas três que estão no ar são razoáveis. Mas não gosto muito quando fazem humor, é muito sem graça. O que mais me irrita são as cenas rurais com música em inglês.

Que acha do enfoque das tramas na classe C?

O ser humano é o mesmo em qualquer lugar, em qualquer tempo, em qualquer que seja a sua condição. Você pode ser rico ou pobre, mas os problemas que afetam verdadeiramente o ser humano são os mesmos.

Como enxerga o crescimento evangélico?

Eu acho que os evangélicos são equivocados. Lutero tinha razão na maior parte do que dizia. Mas errou ao sair da igreja, porque reforma pra mim é o que São Francisco fez, sem sair da igreja. Veja no que deu a separação de Lutero. Não é à toa que para a ética protestante a riqueza é sinal de amor de Deus, da preferência de Deus. Isso justifica todo o capitalismo.

Leia a íntegra da entrevista
folha.com/no1126704

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