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Livros

Crítica / Poesia

Livro primoroso revê trajetória de Drummond

"Poesia 1930-62", edição crítica coordenada por Júlio Castañon Guimarães, reconstitui a criação de dez livros do poeta

AS VARIAÇÕES ANOTADAS SÃO INÚMERAS. ÀS VEZES, A SIMPLES ELIMINAÇÃO DA VÍRGULA, OUTRAS VEZES A TROCA DE PALAVRAS

AFFONSO ROMANO DE SANT’ANNA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A edição crítica preparada por Júlio Castañon Guimarães é um trabalho de monge beneditino. E o trabalho da Cosac Naify é primoroso.

O crítico debruçou-se sobre os dez livros de poesia englobados no volume "Reunião", de 1969.

Confessadamente, ficou nos devendo a edição crítica dos livros posteriormente publicados por Carlos Drummond de Andrade. As comemorações dos 110 anos do poeta provocaram (ou precipitaram) essa publicação.

As variações anotadas pelo crítico são inúmeras. Às vezes, a simples eliminação da vírgula, outras vezes a troca de palavras e o corte de expressões. O poeta elimina gorduras, enxuga o texto.

Onde no poema "Nota Social" havia: "como vaia./Bandas de música, foguetes/discursos, povo de chapéo de palha/máquinas fotográficas assestadas/ruído de gente, fon-fon de automóveis,/Bravos...", o poeta reescreve simplesmente: "feito vaia". É a economia poética.

Castañon cita alguns pintores várias vezes em seu estudo. E isso me remete para uma recente exposição de Matisse, na qual o curador colocou lado a lado quadros retomados e modificados pelo pintor.

E a confissão de Matisse de que o último quadro não era necessariamente melhor que o primeiro. No caso drummoniano, as emendas maiores ocorrem no princípio da obra e melhoram o texto.

Seu senso crítico o impediu de publicar em vida os primeiros escritos. Muitos desses eu vi no "Diário de Minas" dos anos 1920 e 1930.

A maioria Drummond deixou inédita, até que Antônio Carlos Secchin os recuperou no livro "Os 25 Poemas da Triste Alegria".

REVISOR INFATIGÁVEL

Sabe-se que o poeta era pessoa extremamente cuidadosa. Ao final do dia, escolhia o que tinha que guardar e levava pessoalmente à lixeira o que queria eliminar. Não parava aí.

Revisor infatigável, corrigia até as edições Aguilar que lhe pediam para autografar. Era um homem de minúcias.

Depois das observações da minha tese de doutorado sobre sua obra, em 1969, ele passou a escrever, no verso 23 de "A Bruxa","neste" no lugar de "nesse". E acrescentou o verso "o boliche e o relincho" à segunda estrofe de "Isto É Aquilo".

Por outro lado, me revelou a gênese do poema "Maud"e coisas que interessariam a uma crítica genética a propósito da "moça fantasma de Belo Horizonte".

Guimarães Rosa dizia que o melhor crítico é aquele que ajuda o autor a ler sua própria obra. Eu diria que é também aquele que ajuda o leitor a ler um determinado autor.

No trabalho de detetive (como o anteriormente realizado por Fernando Py, que localizou cerca de 60 pseudônimos de Drummond), Castañon descobre certos poemas ("Sentimental", "Brinde no Juízo Final", "Indecisão no Méier") que só entraram na segunda edição dos respectivos livros.

O texto final "Os Materiais do Poema", com revelações preciosas, é a contribuição crítica mais notável do estudo. Há também, ao fim do volume, uma antologia de dez críticas produzidas até 1962 sobre os 10 livros selecionados do poeta.

Aí se tem uma evolução da linguagem crítica. Drummond era chamado reverencialmente por seus colegas de o "sr. Carlos Drummond de Andrade".

Estudar a evolução da linguagem crítica seria algo também instrutivo. Mas isso já seria um outro livro, uma outra história.

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA é poeta, autor de "Sísifo Desce a Montanha" (Rocco)

POESIA 1930-62
AUTOR Carlos Drummond de Andrade
ORGANIZAÇÃO Júlio Castañon Guimarães
EDITORA Cosac Naify
QUANTO R$ 179 (1.056 págs.)
AVALIAÇÃO bom

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