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Críticas / Conto

Alucinações e fetichismo marcam obra de Hernández

"As Hortensias", livro do autor uruguaio, sai no Brasil em edição bilíngue

MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA

Segundo livro do uruguaio Felisberto Hernández (1902-1964) publicado no Brasil, "As Hortensias" marca o início da coleção Boca a Boca, parceria entre as editoras Grua, de São Paulo, e Yaugurú, de Montevidéu.

O projeto prevê a publicação, no Uruguai, de brasileiros como Beatriz Bracher, Raimundo Carrero e Rodrigo Lacerda. No Brasil, sairão volumes bilíngues de Marosa di Giorgio, Felipe Polleri e Fernando Cabrera, entre outros.

O fato de a série de "Literatura Uruguaia" da coleção começar por um clássico como Hernández -quando sua contrapartida, "Literatura Brasileña Contemporánea", focaliza a prosa atual- indica o descompasso na recepção recíproca das literaturas dos dois países.

Carlos Eduardo de Magalhães (editor da Grua) explica que a Biblioteca Nacional do Uruguai, apoiadora do projeto, considera os clássicos brasileiros já conhecidos dos leitores uruguaios (que contam com traduções dos diferentes países de expressão espanhola).

Mas a chegada tardia de Hernández por aqui -que começou em 2006, com "O Cavalo Perdido e Outras Histórias" (Cosac Naify)- permite uma leitura de "As Hortensias" menos marcada pela herança literária.

Cultuado por Cortázar e Juan José Saer, o escritor foi contemporâneo de Borges e Onetti, obrigando-nos a encaixá-lo na assombrosa ficção hispano-americana do século 20, em que o fantástico se mescla a um cerebralismo metaliterário.

Hernández é autor de narrativas curtas e novelas cujos devaneios têm espessura da realidade, suspensas entre a distorção da consciência e a fábula.

No conto "A Mulher Parecida a Mim", por exemplo, o narrador começa falando do tempo em que tivera a ideia de ser um cavalo, para logo dar início a suas memórias equinas, pivô da discórdia entre uma professora e seu namorado ciumento.

Sem transição entre sonho e efetividade, a narrativa do uruguaio nos lança numa sucessão de quadros violentos, onde o potro indócil é um símile dos desastres na domesticação dos impulsos.

Hernández parece precursor do "boom" do realismo mágico, cujo gênero por excelência foi o conto. Saer, porém, preferiu descrever sua prosa como "autobiografia onírica".

De fato, um conto como "A Árvore de Mamãe" (encontros libidinosos de um jovem violinista com sua prima macilenta e ranzinza) autoriza interpretações psicanalíticas, pela recorrência de personagens músicos na obra de Hernández, que foi pianista em cinemas mudos.

E, nos dez capítulos da novela que dá título ao volume, temos uma personagem que mantém uma espécie de teatro doméstico, com vitrines em que bonecas (as Hortensias) duplicam a realidade, contaminando sua relação com a mulher.

Quando esta passa a se fingir de boneca, a farsa reencena aquilo que fora recalcado pelo jogo de duplos: um fetichismo grotesco, também presente no conto "Úrsula", em que o narrador projeta a imagem de uma vaca na mulher por quem se apaixona.

Nas quatro narrativas de "As Hortensias", Felisberto Hernández -que viveu na França, levado pelo franco-uruguaio Supervielle- está mais próximo da dicção surrealista de Breton ou Mandiargues que dos labirintos de Borges e Cortázar.

AS HORTENSIAS
AUTOR Felisberto Hernández
EDITORA Grua Livros
TRADUÇÃO Pablo Cardellino Soto e Walter Carlos Costa
ONDE R$ 39,50 (224 págs.)
AVALIAÇÃO bom

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