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A vez do subúrbio

Repercussão da novela "Avenida Brasil" tira foco de bairros de elite, como o Leblon, e faz da periferia carioca referência em usos e costumes, da moda à música

FABIO BRISOLLA
DO RIO

A vendedora dá um sorriso irônico antes de indicar o artigo mais vendido da Zecabiju, uma das dezenas de lojas de acessórios do Saara, o movimentado mercado popular do centro do Rio.

"O brinco da Suelen, claro. Eu nem precisava falar, né?"

O adereço é uma longa tira dourada usada na orelha direita pela personagem interpretada pela atriz Ísis Valverde em "Avenida Brasil".

Suelen é uma das moradoras do Divino, fictício bairro do subúrbio carioca que dita o tom popular de figurinos, trilha sonora e diálogos no horário nobre da TV Globo.

Criado pelo autor João Emanuel Carneiro, o Divino inverteu a ordem estabelecida na teledramaturgia da emissora.

Sempre ambientada em bairros habitados pelas classe A e B, principalmente do Rio e de São Paulo, a trama principal da novela desta vez ficou concentrada nas ações dos personagens com origem nas classes C e D.

Dos 41 tipos em cena nos últimos capítulos, só nove pertencem ao núcleo da zona sul, região mais valorizada do mercado imobiliário do Rio.

"A imagem do morador que sonha em sair do subúrbio é muito cristalizada. Nossa ideia foi fugir disso e criar um subúrbio gostoso e alegre, onde exista prosperidade", explica o diretor de núcleo Ricardo Waddington, coordenador da novela.

Avenida Brasil obteve até semana passada média de 38 pontos de audiência, segundo a medição do Ibope (cada ponto equivale a 60 mil domicílios na Grande São Paulo). Durante a novela, 65% das TVs ligadas permaneceram sintonizadas na Globo.

NOVOS PROTAGONISTAS

Com a repercussão, uma safra de personagens alcançou visibilidade antes restrita aos protagonistas de histórias ambientadas no Leblon ou nos Jardins.

De camiseta regata e óculos escuros na cabeça, Leleco costuma pontuar frases com risadas escancaradas.

O ator Marcos Caruso, intérprete do personagem fanfarrão, identifica uma mudança no tratamento dado ao subúrbio em novelas. "A perspectiva é outra. Não queremos criticar o subúrbio, criar bordões que destacam a forma de falar de um personagem. A ideia é espelhar o estilo de vida daquelas pessoas, mas sem estigmatizar."

No início do ano, Caruso morou por dois meses no Santíssimo, bairro da zona norte do Rio. Passou a usar van e metrô, andou pela vizinhança, jogou conversa fora em boteco e começou a descobrir o vocabulário que seria adotado por Leleco, pai do jogador Tufão, personagem de Murilo Benício na trama.

Com o texto em mãos, Caruso passou a inserir algumas expressões, como "rapá" ou "tá entendendo?".

Já atriz Fabiula Nascimento eliminou os plurais do texto original da cabeleireira Olenka. Assim como alterou a pronúncia de algumas palavras. Trocou, por exemplo, "mostrar" por "amostrar". Em suas falas evita, no entanto, dar ênfase aos deslizes de português da personagem.

"A intenção não é destacar que ela fala errado, mas reproduzir um dialeto de uma comunidade", diz Fabiula, que ficou espantada com o interesse do público pelas roupas e acessórios usados por sua personagem.

"Sou a campeã do batom. Todo mundo quer saber qual é a marca usada pela Olenka", diz a atriz, aos risos.

Figurinista da novela, Marie Salles fez sua pesquisa de campo nos bairros de Bangu e Madureira, ambos na zona norte carioca. Além disso, buscou referências nos trajes de celebridades como estrelas da música pop e jogadores de futebol.

Na semana passada, ao andar pelo comércio do Saara, ela passou por lojas que estampavam na vitrine a referência "calça da Suelen" para atrair os compradores.

Divisão responsável pelo licenciamento de produtos da emissora, a Globo Marcas comercializa seis linhas de produtos associados à marca Avenida Brasil, que somam mais de 50 itens distintos.

"Agora o que virou moda foi a roupa do personagem do subúrbio", constata Marie.

SOM DO POVO

No caso da trilha sonora, o tom popular também predominou no repertório. Entre os hits estão músicas como "Assim Você Mata o Papai", o tema de Leleco, do grupo de pagode Sorriso Maroto.

Com mais de 80 músicas em novelas da Globo, o compositor Michael Sullivan aponta a mudança sonora no horário nobre: "A novela das nove puxa para uma MPB mais clássica. Ficou mais popular, mas a seleção feita está de acordo com a história. É o som do povo."

O antropólogo Everardo Rocha, professor da PUC-Rio, considera uma boa notícia o destaque dado ao subúrbio e identifica uma coincidência em "Avenida Brasil".

"A classe C está sendo tratada de forma mais carinhosa na televisão justamente em um momento de ascendência econômica deste grupo. Isso é uma novidade no mercado brasileiro", diz Rocha.

O diretor Ricardo Waddington ressalta que a única preocupação da equipe de criação foi oferecer um bom entretenimento para a audiência do país. "O fato de a novela retratar o subúrbio não significa que ela seja para a classe C. É para todo mundo. Acredito que 'Avenida Brasil' já se impôs desta forma."

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