Crítica Drama

Intenções poéticas de filme sobre o mítico Conselheiro não se concretizam

Figura mítica e misteriosa, Antônio Conselheiro (1830-1897) é personagem de lugar cativo no cinema nacional.

Um dos pontos altos de sua representação é "Deus e o Diabo na Terra do Sol" (1963), de Glauber Rocha, cuja narrativa épica e alegórica é a principal referência deste "Antônio Conselheiro - O Taumaturgo dos Sertões".

José Walter Lima retoma a dimensão épico-barroca cara a Glauber, mas o resultado fica aquém do modelo.

A intenção do diretor é fazer cinema poético usando as linguagens do documentário, da ficção e da animação com referências que incluem "Os Sertões", de Euclydes da Cunha, literatura de cordel e variada seleção musical.

Esta heterogeneidade formal não é um problema em si, mas o arranjo dado por Lima compromete o resultado.

A história é contada em duas frentes: o messianismo de Conselheiro e a campanha militar comandada pelo coronel Moreira César.

Conselheiro é descrito com distância; seu papel de líder da comunidade de Canudos, no sertão baiano, é mostrado sem detalhes. Não fica claro que ali camponeses tinham acesso à terra e os latifundiários não impunham sua lei.

O lado militar da história também é pobremente exposto. E as cenas de batalha são apresentadas por meio de animações esquemáticas.

Alguns momentos chegam a ser constrangedores, principalmente pelo mau uso da trilha sonora.

Lima abusa de composições de Villa-Lobos para tornar solenes certas passagens. O uso bem dosado de Villa-Lobos por Glauber em "Deus e o Diabo", que contribuiu para dar força poética à narrativa, torna-se mero artifício nas mãos de Lima.

A cena em que uma fanática discursa com "A Sagração da Primavera", de Stravinsky, é representativa deste recurso, que solapa a ambição poética do filme.

A presença de Euclydes da Cunha, que conduz partes da narrativa com frases de "Os Sertões", tampouco ajuda. Os trechos escolhidos, pedantes e preciosistas, ficam ainda piores com a entonação insípida, digna de comentários de filme etnográfico.