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Crítica / Memórias

Quedas históricas e conquistas domésticas guiam boa narrativa

ALEXANDRA MORAES
EDITORA-ADJUNTA DA “ILUSTRADA”

"Um filho é como um espelho no qual o pai se vê, e, para o filho, o pai é por sua vez um espelho no qual ele se vê no futuro." A frase de Kierkegaard na epígrafe de "O Filho Eterno", de Cristóvão Tezza, talvez servisse a Diogo Mainardi em "A Queda".

"Mingardi era igual a mim. Eu era igual a Mingardi. O menino recém-nascido na incubadora era meu filho. Mingardi era Mainardi. Até nisso o hospital de Veneza errou: em seu nome."

Mais que apenas sua imagem, o espelho de Mainardi reconstitui os passos de seu filho, vítima de paralisia cerebral após erro no parto.

Em frases curtas, às vezes secas e muitas outras vezes de humor quase cáustico, Mainardi descreve a chegada de Tito e a descoberta da paralisia enquanto enxuga comiseração e pieguice. A limpeza e a força lexical tentam refletir a imagem que fazia do próprio filho: "Apenas uma pessoa que amávamos".

A narrativa dos vaivéns da família em busca de tratamento ganha corpo com referências históricas, que descrevem um pequeno panorama da paralisia cerebral.

Tito e sua condição se confundem em círculos que vão do Renascimento ao programa de extermínio em massa nazista, cujo embrião foi a morte de bebês com deficiência. Assim, o menino alinhava personagens e citações que ajudam a ilustrar, pouco a pouco, as conquistas e as quedas domésticas. E ele ainda consegue promover um ensaio de reconciliação entre o autor de "Contra o Brasil" (1998) e o país.

ANALOGIAS

A jornada de Mainardi e de Tito é também guiada por metáforas e analogias. À primeira leitura, algumas delas podem soar vazias ou grosseiras. Ao longo dos passos de pai e filho, porém, revelam-se, novamente, uma espécie de espelho. Talvez sejam o reflexo -e a experiência- da própria linguagem de Tito.

"Tito só se comunicava através de imagens, de gestos, de símbolos, de metáforas, de analogias. (...) Se ele usava imagens, eu também usava imagens. Se ele usava analogias, eu também usava analogias", escreve o autor.

Entre as analogias, "Tito é meu Josef Mengele", Tito é o "homenzinho com cara de ovo", Tito é "minha tartaruga". A rispidez das imagens e sua graça grotesca reiteram a humanidade do relato -e o esforço de amarrá-lo sem sentimentalismo. Lembram, o tempo todo: "Apenas uma pessoa que amávamos".

O humor incondicional e por vezes assustador de Mainardi reflete, também, um amor que se desenha como incondicional -e assustador, como é natural.

A QUEDA
AUTOR Diogo Mainardi
EDITORA Record
QUANTO R$ 29,90 (150 págs.)
AVALIAÇÃO bom

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