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Biografia explora lado social de Gandhi

Na Índia, antes de se tornar best-seller, livro foi banido por relatar íntima relação do líder com amigo arquiteto

Relato de Lelyveld mostra excentricidade, ambiguidade e obstinação do fundador da resistência pacífica

ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO

"Uma situação estranha surgiu aqui. Os hotéis estão sem garçons, e as minas, sem mineiros." Assim começava o despacho da agência de notícias reportando da África do Sul em 1913. A greve, que começara em minas de carvão, se espalhava e unia os migrantes indianos superexplorados.

Gandhi aparecia pela primeira vez como líder de um amplo movimento de massa. Sentado num caixote, ele partia pães e os recheava com punhados de açúcar. Distribuía a ração a cada um dos grevistas, integrantes de diferentes castas e religiões. Estabelecia um novo padrão de liderança política.

Com relatos como esse e uma boa dose de análise, Joseph Lelyveld tece "Mahatma Gandhi e sua Luta com a Índia". A biografia busca os rastros do lado reformador social do personagem. Encontra ambiguidade, polêmica, excentricidade, obstinação.

"Era um político fazendo uma coalizão com interesses, religiões e grupos étnicos diferentes. Há contradições, mas ele era consistente em sua luta social", avalia o autor sobre o biografado em entrevista à Folha.

Lelyveld conta que foi motivado pela "ambição moral" de Gandhi para escrever o livro. "Ele focou sua vida não só nos objetivos do movimento mas em seu próprio padrão moral. Era tão duro com os seus seguidores como em relação a si próprio", afirma.

Jornalista, Lelyveld, 75, foi editor-executivo do "New York Times". Vencedor do Prêmio Pulitzer, trabalhou como correspondente na Índia e na África do Sul. "Vi que os que se diziam discípulos de Gandhi tinham rompido com as questões de justiça social", conta. Apesar da emergência econômica, hoje um terço das pessoas mais pobres do mundo vive na Índia.

Mas é na experiência sul-africana que o escritor localiza as raízes revolucionárias daquele que se tornaria o ícone do primeiro movimento anticolonial de massa do século 20 e que resultou na independência da Índia.

Gandhi era um advogado de 23 anos quando desembarcou em Durban em 22 de maio de 1893.

Um dia depois foi ao tribunal trajando o tradicional turbante indiano preto. O juiz ordenou que ele tirasse o adereço. Ele se recusou, deixou a corte e escreveu uma carta de protesto para um jornal.

A partir daí, sua vida foi uma sucessão de embates. Participou da Guerra dos Bôeres, fez marchas históricas, greves de fome, criou grupos políticos e uma original doutrina: a "resistência passiva", que virou a "Satyagraha", ou força da verdade.

Enfrentou o Império Britânico e as brutalidades de sociedades racistas e divididas por castas. Defendeu a união entre hindus e muçulmanos até ser assassinado por um fanático em 1948. Leu Tolstói e organizou uma comunidade vegetariana. Pai de quatro filhos, pregou a abstinência sexual.

É no capítulo sexual que o livro de Lelyveld provocou mais polêmica. Em uma dúzia de páginas, o jornalista relata a relação especial que Gandhi teve com o arquiteto Hermann Kallenbach. Eles viveram juntos por quatro anos.

"No sentido espiritual eles foram muito íntimos. Passavam muitas horas juntos, trocavam cartas amorosas. Seria fácil deduzir disso que haveria algum tipo de relação física. Não vou tão longe", declara Lelyveld.

Apesar da cautela do jornalista, a hipótese sobre a bissexualidade gerou enorme controvérsia, especialmente na Índia, onde o livro chegou a ser banido em algumas regiões. Depois, liderou vendas.

Forte na discussão política e aguda ao apontar as metamorfoses e ambiguidades do personagem, a obra ganharia densidade se trouxesse mais dados sobre o contexto histórico da excepcional trajetória de Gandhi.

MAHATMA GANDHI E SUA LUTA COM A ÍNDIA
AUTOR Joseph Lelyveld
EDITORA Cia das Letras
TRADUÇÃO Donaldson M. Garschagen
QUANTO R$ 48 (472 págs.)

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