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O mergulhador

De volta à poesia após dez anos, Antonio Cícero vasculha perdas em "Porventura" e cobra do leitor entrega ao verso

Cecilia Acioli/Folhapress
O filósofo e poeta Antonio Cicero
O filósofo e poeta Antonio Cicero

MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DO RIO

"Toda fala -inclusive a fala (o desenrolar) do pensamento- parece-me deficiente. É através da escrita que adquiro posse real do meu próprio pensamento."

É assim que o poeta e filósofo Antonio Cicero, 66, explica -por escrito, evidentemente- a razão por que se tornou escritor, à luz do lançamento de seu novo livro, "Porventura" (Record), uma coletânea de 35 poemas produzidos a partir de 2002.

O mesmo raciocínio é empregado para justificar sua preferência por uma entrevista por e-mail para falar desta que é apenas sua terceira coletânea poética -apesar de escrever poemas "desde antes da adolescência", só em 1996 publicou o primeiro livro de versos, "Guardar".

"Acho que eu era excessivamente autocrítico", diz o autor, justificando a estreia tardia em versão impressa. "E na época eu ainda não valorizava tanto a escrita quanto vim a fazer mais tarde."

Um dos motivos para a demora em publicar foi o fato de que parte de sua produção já era largamente divulgada como letra de música -diversos hits dos anos 1980, como "Fullgás" e "À Francesa" (de Marina Lima, sua irmã) e "O Último Romântico" (de Lulu Santos), têm sua assinatura.

Não por acaso, foi apresentado na última Flip pelo curador Miguel Conde, numa conferência sobre Drummond, como "um caso único no mundo de filósofo que tem sua obra tocada no rádio quase diariamente".

Apesar desse lado pop, na orelha de "Porventura" o poeta e imortal Antonio Carlos Secchin argumenta que "Antonio Cicero não escreve para leitores distraídos ou refratários ao terreno da 'alta cultura'", aludindo ao rigor técnico e às referências clássicas presentes em seus poemas.

"De fato, escrevo em primeiro lugar para um leitor ideal, que aprecie poesia e conheça as referências literárias que faço", diz o autor.

"Por outro lado, gosto de pensar que meus poemas podem ser apreciados nos mais diferentes níveis, por pessoas de diferentes formações culturais, pois admiro imensamente poetas que conseguem fazer isso."

MERGULHO

Essa busca também permeia suas participações em encontros literários. "Nesses eventos tento mostrar de que modo se deve ler um poema. Não se pode ler um poema como se lê uma notícia de jornal, uma bula de remédio, um e-mail. O poema exige que o leitor mergulhe nele."

Cicero explica de onde nasce um verso seu. "Ando muito a pé pelas ruas, e as coisas e/ou pessoas que vejo me provocam a escrever. Uma palavra que eu ouça por acaso pode ser o estopim. Mas também a própria leitura de poesia me estimula a escrever."

Uma série de perdas importantes nos últimos anos -as mortes de seu amigo e parceiro Waly Salomão (em 2003) e, mais recentemente, de seu irmão Roberto e de sua mãe- está refletida no livro.

"Um dia, apaixonado, encarei a minha morte: e eis que ela não sustentou o olhar e se esvaiu. Desde então é a morte alheia que me abate", escreve ele em "Balanço", que abre o novo livro.

A morte de Roberto -homenageado com o poema "La Capricciosa"- levou inclusive a um afastamento entre ele e Marina Lima, segundo disse a cantora em entrevista à Folha; seu último disco, "Clímax" (2011), foi o primeiro álbum autoral dela em que Cicero não colabora.

O poeta minimiza o distanciamento e diz que, hoje, os dois retomaram o contato.

"Marina está morando em São Paulo, enquanto eu continuo morando no Rio. Mas temos nos visto regularmente, pois tenho estado muito em São Paulo. Já combinamos fazer outros trabalhos proximamente."

Antes de retomar sua produção musical, no entanto, Cicero deve dar vazão a seu lado filósofo -seu próximo projeto, diz, é retrabalhar as ideias exploradas em seu primeiro livro, o aclamado "O Mundo desde o Fim" (1995).

"Vou fazer um livro em que fiquem mais claras as ideias políticas que exponho ali."

Neste ano, o autor já voltou aos ensaios com "Poesia e Filosofia" (ed. Civilização Brasileira, 142 págs., R$ 25), em que analisa suas duas ocupações, distinguindo-as.

"Quando escrevo um ensaio ou artigo de filosofia, faço-o porque suponho ter algo a dizer que fará alguma diferença. Logo, sinto certa urgência, e mesmo obrigação ética de escrevê-lo", diz ele.

"Como não há tais pretensões no que diz respeito à poesia, acabo deixando-a para depois. Francamente, eu gostaria que não fosse assim, pois me orgulho muito mais de ter feito um poema que considere bom do que um ensaio que considere bom."

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