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Diretor encena na Alemanha série complexa de John Cage

'Europeras' foi montada pelo compositor alemão Heiner Goebbels no festival Ruhrtriennale

Espetáculo em duas partes havia sido executado apenas uma vez após a estreia, que teve direção do autor

MARCIO AQUILES
ENVIADO ESPECIAL A BOCHUM, ALEMANHA

Quando o compositor John Cage (1912-1992) escreveu a série "Europeras", afirmou que os europeus haviam enviado óperas para a América por 200 anos e havia chegado o momento de devolvê-las.

Heiner Goebbels, diretor e compositor alemão, resolveu celebrar os cem anos de nascimento do americano devolvendo essa série ao mundo.

Devido à alta complexidade conceitual e empecilhos técnicos, "Europeras 1 & 2" havia sido encenada apenas uma vez, desde a estreia dirigida em Frankfurt pelo próprio Cage em 1987.

A obrigatoriedade da ausência de um regente, as dezenas de cenários previstas pelo autor e a aleatoriedade de um repertório composto por partituras de 128 óperas sempre tornaram impraticável a encenação.

Principal evento da Ruhrtriennale, festival de artes sediado na megalópole renana, a versão de Goebbels usufrui do hall de 9.000 metros quadrados de uma antiga fábrica de aço para desconstruir a história do teatro lírico.

"Todo o enredo evolutivo da ópera está ali, mas na estrutura descentralizada e não hierárquica prevista por

Cage. Enquanto uma flauta toca Mozart, um trombone toca Sibelius, com cada integrante criando seu próprio universo", explica Goebbels.

A primeira parte da montagem é uma metaópera em que mais de 60 assistentes dividem o palco com os tenores e sopranos que se movimentam dentro do desmesurado espaço, dividido entre 64 quadrantes.

Mais do que simplesmente montar e desmontar a infinita sequência de cenários sobrepostos, eles participam ativamente da teatralidade lírica, inclusive por meio dos sons que produzem enquanto sobem cortinas, varrem o chão, ou invadem o terreno com máquinas automotivas.

Há fogo nas instalações cenográficas, vendaval de folhas outonais caindo, luzes coloridas alucinantes cruzando o espaço.

O espetáculo é um audacioso processo de ressignificação que une a pós-modernidade fragmentária de Cage ao esteticismo niilista do romantismo alemão.

Na segunda parte, em contraste, Goebbels recorre a um minimalismo radical.

A tridimensionalidade exacerbada é reduzida a uma projeção bidimensional na parede, com os cantores na ribalta, imóveis, vestidos de preto e na penumbra.

"Decidimos ressaltar as complexidades visuais na primeira parte e as sutilezas sonoras na segunda. Uma é para ser vista, a outra, para ser ouvida", afirma Goebbels.

Além desses evidentes antagonismos extremistas entre os dois segmentos -vistos não como atos, mas como uma obra singular por Cage- saltam aos olhos do espectador atento inúmeras outras oposições lançadas à luz com discrição.

Dez grandes relógios digitais estão espalhados pelo palco em "Europera 1" -usados para os músicos marcarem o tempo, já que não há regente-, enquanto um pequeno relógio analógico na torre de uma igreja move lentamente seus ponteiros, em uma animação discreta da projeção de "Europera 2". A primeira parte tem 90 minutos, ao passo que a segunda dura a metade desse tempo.

Vencedor neste ano do prêmio Ibsen -reconhecimento norueguês dado a artistas de relevo nas artes cênicas-, Goebbels presta homenagem ao gênio de Cage não apenas edificando sua criação visionária, mas colocando ambas as partes em um diálogo metalinguístico.

O jornalista MARCIO AQUILES viajou a convite da Ruhrtriennale

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