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Romance condenado só saiu no Brasil 10 anos depois

DO ENVIADO A LONDRES

Por receio de represálias de extremistas islâmicos, que promoveram atentados contra tradutores e editores de "Os Versos Satânicos" pelo mundo, o romance mais controverso de Salman Rushdie só veio ser lançado no Brasil em 1998, dez anos após sua publicação no Reino Unido.

Uma operação envolvendo o Governo de São Paulo foi armada em 1988 para tentar viabilizar o lançamento no Brasil, mas fracassou.

O governador era Orestes Quércia (1938-2010), cujo secretário de Estado da Cultura era o escritor Fernando Morais, que tinha como assessor especial o editor Pedro Paulo de Sena Madureira.

Pedro Paulo fora o primeiro editor de Rushdie no Brasil. Pela editora Guanabara, haviam saído aqui o premiado romance "Os Filhos da Meia-Noite" e o ensaio-reportagem "O Sorriso do Jaguar", fruto de viagem à Nicarágua.

"Como nenhuma editora se dispunha a publicar o livro, por prudência compreensível, achei que a secretaria, como instituição, poderia editá-lo", relata Morais.

O plano era que o livro saísse pelo selo do governo, mas que a produção fosse uma parceria com editoras.

Mas, recorda Morais, a notícia vazou para o jornal "O Globo", complicando o projeto. O então embaixador do Irã no Brasil, relembra o escritor brasileiro, escreveu ao governador dizendo que a iniciativa seria um desrespeito aos muçulmanos.

"Aí o Quércia me chamou e disse: 'Pula fora. Não vamos nos meter nisso'. Ainda tentei argumentar que era uma violência, uma censura, mas não teve jeito. E nosso projeto micou", diz Morais.

Editor da Companhia das Letras, que por fim lançou "Os Versos..." em 1998 e continua a publicar Rushdie no Brasil, Luiz Schwarcz conta a mesma história, com algumas variações.

Diz que ele próprio tentou montar um consórcio de editores para a publicação, primeiro por meio da CBL (Câmara Brasileira do Livro), que não topou, e depois por meio da Secretaria de Cultura.

"Ao ler o livro [as memórias], pedi desculpas ao Salman por não ter tentado mais em outros canais. Eu não era o editor dele na ocasião da 'fatwa'", diz Schwarcz.

VISITA FRUSTRADA

O editor revelou que tentou trazer Rushdie ao país durante o período em que o autor viveu escondido.

Schwarcz não recorda o ano exato, arrisca que foi em 1996. Rushdie até que topou, mas, de novo, a notícia vazou, e as exigências de segurança por parte da Polícia Federal brasileira inviabilizaram a operação.

"A PF pediu para isolar dois andares de um hotel e exigiu dois carros blindados para os deslocamentos", lembra Schwarcz.

"O Salman teria de andar com colete à prova de balas e não poderia ir à praia ou a um jogo de futebol, como desejava. Escrevi para ele e disse que não valeria a pena vir desse jeito, que ele ficaria refém da PF", conta.

Rushdie confirma. "Eu não teria uma experiência brasileira, só ficaria na bolha artificial. E pensei: já tenho esse problema em casa, não preciso cruzar o mundo para continuar preso a uma rede de segurança."

O escritor lembra entre risos uma das primeiras vindas ao país, já nos anos 2000. Schwarcz lhe prometera um jantar com amigos.

"Fomos ao restaurante e percebi que toda a rua estava fechada. Perguntei: isso é por causa de mim? 'Não', ele disse, 'há algumas outras pessoas importantes aí dentro'", relata Rushdie.

"Entramos e estavam Chico Buarque, Caetano Veloso, Rubem Fonseca, Patrícia Melo e Fernando Meirelles. Gilberto Gil faria um show...

Foi impressionante."

"E eu lembro de ter dito: 'Luiz, por que Gisele [Bündchen] não está aqui? Todos os outros brasileiros famosos estão aqui...'. Parecia uma omissão."

(FV)

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