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Análise

Escritores expõem a costura da imaginação com a realidade

A partir da geração deles, os problemas do cotidiano infantil instalaram-se como temas para a infância

MÔNICA RODRIGUES DA COSTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Lygia Bojunga, Tatiana Belinky, Ruth Rocha e Ziraldo marcaram a literatura para crianças com asas da imaginação -a exploração de imagens ou metáforas- misturadas à representação do dia a dia dos pequenos.

A partir da geração deles, a linguagem coloquial, os problemas do cotidiano infantil, como a solidão e a separação dos pais, o desemprego, os conflitos sociais e as guerras instalaram-se como temas para a infância.

Há em comum entre as obras deles -que são considerados os maiores escritores de livros ilustrados- textos em verso e em prosa e a visão de mundo de seu tempo, da qual ninguém escapa.

Trata-se de um fenômeno involuntário na opinião de especialistas em literatura, chamado de "dominante de época" pelo estudioso russo Roman Jakobson (1896-1982).

A literatura deles obedece à negociação do modo de ser da criança e das metodologias de ensino e aprendizagem: a educação ativa e pela autonomia, a conscientização sobre o mundo.

Lygia Bojunga mostra, em "A Bolsa Amarela" (1976), as inquietações de uma menina cercada de parentes de classe média por todos os lados, mas que não compreendiam sua potência criadora.

Raquel tinha na bolsa um galo e um guarda-chuva falantes. Contava-lhes segredos proibidos para os adultos.

Na mesma costura híbrida de imaginação e realidade, o personagem Porco, cansado da própria identidade, transforma-se em Porto pela troca poética de letras no livro "Angélica" (1975), de Bojunga.

ALUMBRAMENTOS

Tatiana Belinky não deixa por menos.

No livro de memórias dirigido ao público infantojuvenil, "Transplante de Menina" (1989), relata com delicadeza sua vinda para o Brasil, em 1929, fugindo das guerras civis na então União Soviética.

A nova terra natal era puro alumbramento: uma caminhada pela Santa Cecília paulistana, a observação da paisagem e a conquista de amizades apontavam para a reconstrução da vida.

A alegria é mesmo a prova dos nove, conforme escreveu o modernista Oswald de Andrade (1890-1954).

Foi a prova real de "O Menino Maluquinho" (1980), de Ziraldo, paradigma da infância feliz, em trânsito entre as travessuras, o divórcio dos pais, a integração com os amigos e a solidão no quarto por vontade própria, em momentos de descobertas.

E "Marcelo, Marmelo, Martelo" (1976)? Nesse livro de Ruth Rocha, um quarteto experimenta as tensões da convivência e dialoga com os pais. Forma e conteúdo fundem-se na pergunta-trocadilho de Marcelo: "Mãe, por que não me chamo Martelo?".

Por que tanta unanimidade a ponto de os quatro autores serem best-sellers?

Caíram no gosto popular da brava e meiga gente brasileira, para usar as palavras do antropólogo Darcy Ribeiro (1922 -1997): são pedaços de nós.

MÔNICA RODRIGUES DA COSTA é jornalista e autora de "As Melhores Histórias de Todos os Tempos" (Publifoha/Livraria da Folha).

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