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Crítica poesia

Nova antologia oferece versão ampliada e revisada de Bishop

Com tradução e ensaios de Paulo Henriques Britto, livro fecha série da poeta

MARIA LÚCIA MILLÉO MARTINS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Crítico e tradutor da obra de Elizabeth Bishop, Paulo Henriques Britto completa a série dedicada à poeta norte-americana publicada pela Companhia das Letras.

Inicia com "Uma Arte: As Cartas de Elizabeth Bishop" (1995) e "Esforços do Afeto e Outras Histórias" (1996), passando à tradução de poesia nas coletâneas "Elizabeth Bishop: Poemas do Brasil" (1999) e "Elizabeth Bishop: O Iceberg Imaginário e Outros Poemas" (2001).

A nova antologia traz a obra de Bishop (1911-1979) de volta às livrarias -estava fora de catálogo- e oferece uma versão ampliada e revisada da anterior, com o acréscimo de 17 poemas e reedição de dois ensaios críticos.

Os dois ensaios permitem ao leitor provar uma saborosa entrada ao prato principal, os "poemas escolhidos".

O primeiro ensaio, "Elizabeth Bishop: Os Rigores do Afeto", é aberto com uma sinopse da vida de Bishop, passando a uma leitura contextual de sua trajetória poética.

Britto identifica afinidades da poesia de Bishop com o alto modernismo -"reticência, impessoalidade, objetividade; elementos imagistas e surrealistas"- mas que já convivem com "forte tensão emocional".

Observa, então, como essa postura esquiva cede lugar a "uma voz mais pessoal e emocionada", manifestando uma "vocação subjetivista".

No âmbito do modernismo, Britto explora uma curiosa dialógica da poesia de Bishop com a de Marianne Moore, sua mentora e amiga.

Faz também um relato de como Bishop declara sua maturidade poética, deixando de submeter seus poemas ao crivo de Moore e assumindo o desafio de revelar-se.

Britto aponta como fatores relevantes nesse processo os novos rumos da poesia norte-americana nos anos 1950 contra a "ortodoxia eliotiana", o impacto do modelo confessional do poeta Robert Lowell e a experiência amorosa de Bishop no Brasil com Lota de Macedo Soares.

O segundo ensaio, "Bishop no Brasil", percorre os caminhos de sua obra da chegada em Santos nos anos 1950 à mudança definitiva para Boston nos anos 1970. A amostra prima pela variedade de ângulos e pinceladas de tons pitorescos e de humor.

Britto trata da complexa relação com o Brasil na trama de sentimentos que vão do afeto ao desencanto, revelando o olhar sensível, espirituoso e mordaz da poeta.

Vale destacar a grande admiração de Bishop pela cultura popular (Carnaval, literatura de cordel) e o convívio com escritores brasileiros.

Britto menciona a visão crítica de Bishop sobre poetas como Drummond, João Cabral de Melo Neto, Manuel Bandeira e Vinicius de Moraes e prosadores como Machado de Assis, Clarice Lispector e Graciliano Ramos.

Britto discute ainda a presença marcante de Lota na mediação entre Bishop e o Brasil, tanto na esfera doméstica quanto social, no convívio com políticos, intelectuais e artistas da elite carioca.

Amante, companheira, ou como define Regina Przybycien, "a nativa que dominava o idioma e o registro cultural, a grande mãe", Lota é também uma espécie de termômetro regulando o sentimento de Bishop pelo Brasil.

Com a morte de Lota, Bishop experimenta o que Britto chama de "inimizade cordial" (o avesso da cordialidade brasileira de que fala Sérgio Buarque de Hollanda), a hostilidade por parte de alguns amigos que responsabilizavam Bishop pela tragédia.

O ensaio termina com as tentativas frustradas de Bishop de permanecer no Brasil e, à semelhança de Crusoé, a vivência do exílio no último lar em Boston.

Britto relata que, rodeada de objetos trazidos do Brasil, com vista para a baía, Bishop comenta em carta: "A vista não chega aos pés do Rio".

Charles Simic, poeta e tradutor de poesia, define tradução como "a leitura mais próxima possível que se pode fazer de um poema -a leitura de um amante".

A intimidade de Britto com a obra, seu zelo de tradutor e poeta experiente, fazem toda a diferença no esmero dessa leitura. A coletânea de "Poemas Escolhidos" é assim primorosa em seu olhar crítico e arte de tradução.

MARIA LÚCIA MILLÉO MARTINS é professora de literatura de língua inglesa na Universidade Federal de Santa Catarina

POEMAS ESCOLHIDOS
AUTOR Elizabeth Bishop
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Paulo Henriques Britto
QUANTO R$ 44,50 (416 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo

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