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Vive-se muito bem sem ser contemporâneo, diz Marías

Avesso a novas tecnologias, espanhol lança no Brasil 'Os Enamoramentos'

Recluso e distante dos escritores "popstar", autor investiga sentimento amoroso em seu 15º livro

RODRIGO LEVINO
EDITOR-ASSISTENTE DA “ILUSTRADA”

Na época dos escritores com status de "popstar", o espanhol Javier Marías, 61, que teve lançado essa semana no Brasil seu novo romance, "Os Enamoramentos", é a imagem acabada da contramão.

Pouco fala, não tem simpatia por entrevistas, palestras ou festivais literários -"sinto calafrios de me imaginar em uma cidade pequena e cheia de escritores" (disse sobre a Flip).

Também não usa celular nem e-mail, e apregoa que escritores devem ser lidos em vez de escrutados. No que muito se assemelha ao Nobel de literatura sul-africano J.M. Coetzee, de quem coleciona elogios públicos.

"Acredite, pode-se viver perfeitamente sem ser 'contemporâneo'", disse ele em entrevista datilografada e enviada à Folha via fax, de Madri, onde vive.

Tampouco do ponto de vista literário Marías é um autor, digamos, fácil.

Prioriza narrativas intrincadas, frases longas e enredos entremeados de elucubrações que se assemelham a pequenos ensaios à medida que desenvolve as tramas.

Na última delas, se pôs a investigar o estado de enamoramento, uma espécie de arrebatamento a que muitos dão o nome de amor.

Não que seja uma novidade em sua obra. Esse sentimento e tudo que lhe cerca -"o segredo, a traição, a suspeita, a persuasão e a insegurança"- já estavam presentes nos livros que o consagraram, como a trilogia "Seu Rosto Amanhã".

Assim como em "Coração Tão Branco", de 1992, seu maior sucesso, sobre o qual ele diz não fazer ideia de como vendeu mais de um milhão de exemplares na Europa e nos Estados Unidos.

Instado a definir o amor, Marías se esquiva. "Ele pode se adaptar a várias formas, mas a mais comum delas é a impressão de que não se pode viver sem a pessoa que se crê amar."

A curiosidade acerca desse assunto é o que move María Dolz, a protagonista de "Os Enamoramentos". Para ela, Miguel e Luisa, observados diariamente à distância, são o que lhe parece um casal perfeito.

Após a morte trágica de Miguel, María se aproxima de Luisa e tem a chance de esmiuçar a relação pregressa e o sentimento que a movia. Sobra pouco de suas especulações ingênuas. "Apesar de nobre, não esqueça que o amor muitas vezes transforma a pessoas em seres mesquinhos", diz Marías.

RECLUSÃO

Autor de 15 livros, entre contos e romances, e outro tanto de ensaios, críticas e traduções, ele não vislumbra aposentadoria.

"Eu havia planejado escrever duas páginas do que, acho, será o meu próximo romance. Mas estou aqui respondendo às suas perguntas", diz com um ar de rabugice. Na vida real, tempo e reclusão são tão caros ao escritor como o amor para a sua literatura.

"Semana passada estive em Londres, porque a Penguin lançou quatro romances meus de uma vez. Daqui a duas semanas terei de falar sobre a edição completa dos meus contos que será lançada na Espanha. Assim não tem quem escreva nada, né?"

As diatribes de Marías não se resumem às imagem e postura do autor na era das celebridades hiperconectadas.

Formado em letras e filosofia e com longa carreira acadêmica (lecionou nas Universidades de Oxford e Madri e no Wellesley College de Boston), ele abomina cursos de escrita criativa e diz que da experiência em sala de aula lhe restou um método de "atuar em público".

"Se algum dia me obrigassem, com uma pistola apontada para a cabeça, a dar um cursos desses, eu não saberia dizer o que deve ou não ser feito, como ou não escrever, desse ou daquele modo."

JOVENS AUTORES

Para jovens autores, que ele confessa ter deixado de ler há pelo menos dez anos ("De cada 20 livros que a crítica dizia genial, se aproveitava um. Não vale a pena"), um conselho: traduzam.

"Não há melhor escola para um escritor do que traduzir [Joseph] Conrad, [Vladimir] Nabokov, [William] Faulkner, [W.H.] Auden ou [W.B] Yeats."

Nisso, o próprio Marías pode se considerar um afortunado. À frente da pequena editora Reino de Redonda, criada por ele em 2002, traduziu e publicou na Espanha autores como Benjamin Harris, Thomas Browne e o próprio Conrad.

A inspiração para o nome da casa veio de uma invenção curiosa. Pouco antes da inauguração, Marías se declarou rei da desabitada Ilha Redonda, no litoral de Antígua.

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