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Crítica Drama

'Tabu' reafirma português Miguel Gomes como um dos jovens talentos do cinema

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Em seu filme anterior, "Aquele Querido Mês de Agosto", Miguel Gomes tecia uma história ao mesmo tempo em que realizava um filme: um e outra caminhavam juntos, como a afirmar a cada sequência a incerteza do artista contemporâneo.

"Tabu" nos projeta na mesma dimensão, embora de outra maneira. O que primeiro nos chega, antes mesmo de entrar na sala, é um eco: o "Tabu" (1931) de F.W. Murnau.

É de certa forma indissociável dessas imagens, que se abrem com o prólogo onde nos é contada a história do explorador que, tendo perdido a mulher, entra num rio para ser devorado por um imenso crocodilo.

Daí surge o mito de um crocodilo melancólico ladeado por uma bela mulher num rio perdido na África.

Entramos em seguida na primeira parte: O Paraíso Perdido. Talvez haja aqui outro eco: o da expulsão do paraíso no poema de Milton.

Estamos agora no Portugal de hoje, onde uma Aurora caduca é vigiada por sua criada negra, a quem toma por uma feiticeira. Pouco antes de morrer, Aurora desenha as letras de um nome: Ventura.

A horas tantas, se diz no filme que "tudo que estou a dizer não é realidade, é lenda". Sim, ao artista (assim como ao espectador) só resta hoje encontrar-se com incertezas.

Entramos então na segunda parte, a juventude de Aurora ou O Paraíso. O paraíso de Murnau, das ilhas do Pacífico? Não propriamente.

Em Murnau, o primeiro tabu diz respeito a um tubarão que os caçadores de pérolas não devem desafiar; o segundo trata da virgem escolhida, que não poderá ser tocada por nenhum homem.

No novo "Tabu" é um pouco diferente. Estamos na África portuguesa. Ali, a bela Aurora, embora casada, apaixona-se pelo então também jovem italiano Ventura. Ventura troca sua existência, até então despreocupada, pelo amor de Aurora.

Mas existe algo mais entre eles além do marido. É um filhote de crocodilo com que o marido presenteia Aurora. Um bebê apenas. Mas ele frequenta o filme, os amores, a imaginação dos amantes.

Ele é tão presente quanto o cozinheiro e feiticeiro negro, quanto os criados negros, mudos, figuras espectrais que mais parecem penetras nesse mundo branco de belas paisagens, natureza e casas elegantes, magníficas.

O "Tabu" de agora instaura uma estranheza que atravessará tudo, inclusive o amor de Ventura e Aurora. Pois o réptil, com seu quê medonho já desde a infância, parece estar lá para nomear um paraíso infernal: o da ocupação e colonização da África pelos portugueses.

A colonização da África acabou e com ela sua realidade.

A lenda, seu rescaldo, parece permanecer ainda bem viva e dolorosa -pelo menos é o que sugere, entre tantas incertezas do mundo, este filme de Miguel Gomes, um dos mais seguros talentos jovens do cinema. E, claro, um nome a seguir.

TABU

DIREÇÃO Miguel Gomes
PRODUÇÃO Portugal/Alemanha/Brasil/França, 2012
QUANDO hoje, às 21h10, no CineSesc; amanhã, às 23h30, no Frei Caneca; dom., às 18h30, na Cinemateca; seg., às 20h50, no Cinemark Eldorado
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
AVALIAÇÃO ótimo

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