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Xico Sá traz memória e ficção a romance 'Big Jato' remonta a histórias familiares do jornalista e colunista da Folha, principalmente a vida no sertão nordestino "Vivi o conflito entre o jornalismo e a literatura a vida inteira", diz o cronista sobre suas paixões CADÃO VOLPATOESPECIAL PARA A FOLHA Começou com a imagem de um velho rabugento e a lembrança dos barulhos ouvidos no vale do Cariri, no sul do Ceará, onde fica o Crato, cidade natal do escritor e colunista da Folha Xico Sá. A partir daí foram anos ruminando esses indícios, que se transformaram em contos delirantes e foram mostrados aos amigos escritores Joca Reiners Terron e Ronaldo Bressane. Os dois insistiram para que Xico transformasse aquilo tudo em romance. "Escreve logo um livro para valer", diziam eles. E foi o que Xico fez. O resultado é uma novela que mistura memória e ficção para falar de um menino, de um velho, de um beatlemaníaco e de um caminhão limpa-fossa, de cujo nome saiu o título, Big Jato. Das conversas do menino com todo mundo e de suas descobertas, nasceu uma obra original, um estranho e pequeno romance de formação, delicado na carpintaria, regional, carregado de uma prosa que não recusa a poesia e, além de tudo, entrega ao leitor, inteira, a alma do cronista único, engraçado e cheio de estilo que Xico Sá tem sido nos últimos anos. "As coisas vieram rápidas, num fluxo", diz ele. "Visitava a casa da minha família e reconstruía a história". Não é propriamente a história da família de Xico, mas inspira-se diretamente nela, monta e remonta personagens que têm um pouco dos tios e tias, rouba outro tanto do pai, da mãe e dos irmãos. PERSONAGENS O tio beatlemaníaco e preguiçoso que apresenta os Beatles ao menino existiu, só que era outro parente maluco. O limpa-fossas Big Jato, que pertenceu a outro tio, também. Peixe de Pedra, a localidade inventada, é uma junção de diversas cidades do vale do Cariri, às quais Xico se diz ligado sentimentalmente. Cenas de grande beleza evocam fósseis e pterodáctilos, bem como o corpo e os modos das mulheres. Mas a escatologia está em toda parte. "Meu pai foi caminhoneiro", explica Xico. "Mas sem a merda." Os assuntos favoritos dele, espalhados pelo livro, ganham uma densidade que não alcançam enquanto crônica. O que Xico faz em "Big Jato" é a literatura que procurava desde que começou na profissão. "Vivi o conflito entre o jornalismo e a literatura a vida inteira", diz. "Tentei salvar o escritor possível dentro de uma Redação." Não custa lembrar: ele foi o repórter que descobriu o paradeiro de PC Farias, um dos grandes furos do jornalismo brasileiro nos anos 1990. Primeiro romance sério de Xico -"Caballeros Solitários rumo ao Sol Poente" (2007) fora uma brincadeira escrita em portunhol selvagem, a língua que ele e amigos inventaram e que acabou resultando num encontro internacional em Assunção, no Paraguai- "Big Jato" contradiz o que ele chama de "sonho equivocado de ser escritor". Além disso, demonstra a ligação sentimental que Xico tem não só com o sertão mas também com o Recife, cidade onde começou a escrever, e o fascínio que "Vidas Secas", de Graciliano Ramos, exerceu sobre o jovem matuto. Kurt Vonnegut, William Saroyan e principalmente o Juan Rulfo de "Pedro Páramo" são as pedras de toque do livro. Mas o olhar terno e incisivo do cronista que tem Nelson Rodrigues como ídolo paira sobre tudo.
CADÃO VOLPATO é músico, jornalista e escritor, autor de "Relógio Sem Sol"
BIG JATO |
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