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Mauricio Stycer

Paranoia americana

"Homeland" cativou público e crítica por lidar de forma original com um pesadelo dos EUA

Há duas maneiras de entender o sucesso de "Homeland", um dos mais premiados seriados de 2012, cuja segunda temporada começa neste domingo no Brasil (canal FX, às 23h).

Trata-se, em primeiro lugar, de uma competente história de suspense. Mais significativo, na minha opinião, é o fato de ser um exemplo ousado de transformação daquela que talvez seja, hoje, a maior paranoia americana em entretenimento de qualidade.

A primeira temporada do seriado gira em torno da suspeita de que um soldado norte-americano, preso durante oito anos no Oriente Médio, possa ter sido "convertido" e treinado pela Al Qaeda para agir "em casa", no coração do poder da América.

A ideia de um "inimigo infiltrado", real ou imaginário, capaz de roubar segredos, sabotar planos ou mesmo assassinar, não constitui novidade na mente de roteiristas de cinema e televisão nos Estados Unidos.

O atrativo de "Homeland" é sugerir ao espectador que este suposto "convertido" possa fazer algo semelhante ao que os americanos viram em 11 de setembro de 2001. Ou seja, que os EUA permanecem tão vulneráveis quanto estavam, sem saber, onze anos atrás.

A história opõe o sargento Nicholas Brody, vivido por Damian Lewis (curiosamente, um ator britânico), à agente da CIA Carrie Mathison, interpretada por Claire Danes. A atriz está colecionando prêmios com uma interpretação, a meu ver, limitada a três caretas e dois olhares "expressivos".

O roteiro não foge muito ao bê-á-bá das séries de suspense, salpicando pistas, verdadeiras ou falsas, a cada capítulo. Excesso de informação, ou falta dela, em alguns momentos, também ajudam a capturar a atenção do espectador.

Com grande habilidade, desde o programa-piloto, os roteiristas levam o público a questionar tanto o heroísmo do soldado quanto a competência da agente.

Mais interessante, "Homeland" arrisca-se numa crítica não muito sutil à burocracia e aos métodos da CIA, expõe a rivalidade do serviço de inteligência com o FBI, discute erros e atrocidades cometidas na chamada "guerra ao terror" e, por fim, ridiculariza a ambição de um político de faturar com a situação.

Barack Obama, reza a lenda, é fã do seriado. Dizem também que gosta de "Modern Family" e "Boardwalk Empire". No caso de "Homeland", a simpatia do presidente dos Estados Unidos pode ser uma maneira de dizer que não se sente atingido pelas críticas.

Uma curiosidade: "Homeland" é a versão americana de uma série israelense, chamada "Prisioneiros de Guerra", que trata da reintegração de soldados israelenses, mantidos em cativeiro por anos. Outra série israelense de muito sucesso, adaptada até no Brasil, é "Sessão de Terapia".

No final de setembro, "Homeland" conquistou o seu maior troféu, o Emmy de melhor série dramática do ano, derrotando "Boardwalk Empire", "Breaking Bad", "Downton Abbey", "Mad Men" e "Game of Thrones". Já havia ganhado o Globo de Ouro, dado pelos correspondentes estrangeiros em Hollywood, na mesma categoria.

Fosse apenas uma excelente série de suspense, "Homeland" não teria faturado estas duas estatuetas. A série está longe de ter a densidade, sofisticação ou riqueza dramática de suas concorrentes, mas cativou público e crítica justamente por lidar de forma original com este pesadelo americano.

mauriciostycer@uol.com.br

@mauriciostycer

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